quarta-feira, dezembro 09, 2015

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 130


















Gondomar contestou-o, alegando que as Portas do Inferno eram na Terra Santa, no Templo de Salomão, todos o sabiam e mandou-os trabalhar.

Nos dias seguintes, tendo notado que Ramiro era muito hábil com o arco e com as flechas, Gondomar ordenou que ele fosse caçar veados, coelhos ou javalis.

A doença dos olhos do mestre da ordem estava a piorar, com a chegada do calor passava muito tempo a chorar, e o Velho disse a todos, à volta da fogueira, que precisava de furar o olho.

Desconfiado, o Ameixa perguntou-lhe:

 - O que sabes disso?

O Velho conhecera um feiticeiro no tempo de El Cid que lhe ensinara a curar a doença dos olhos. Se o mestre os tivesse vermelhos, devia ser tratado com fel de andorinha, de perdiz, semente de funcho, era arruda e vinho branco.

Contra as dores havia quem usasse claras e gemas de ovo, leite de cadela ou de mulher, rosmaninho e pulmão de carneiro.

Se fossem dores nos dois olhos, ele devia fechar-se num quarto escuro, e eles podiam usar cinzas de esterco humano ou urina amassada com mel.

- Cagar e mijar para curar o nosso mestre! Exclamou o Rato a rir.

O Velho explicou que tal não seria necessário, pois o Gondomar tinha eram cataratas, que podiam ser retiradas.

O mestre devia prepara-se uma semana, com dietas, sangrias e purgas, e tinham de esperar por dia claro, em que a lua estivesse em quadratura.

Marcou-se a operação para daí a duas semanas, e foi enquanto esperavam por esse dia que Ramiro descobriu que se passavam coisas estranhas entre aqueles homens.

Além de montarem os cavalos dois a dois, o que se podia explicar pela existência de apenas quatro cavalos, também se amigavam juntos, pelo menos dois deles.

O Urso e o Rato em certas noites iam passear juntos. Uma vez Ramiro seguiu-os silencioso, e deu com eles do lado oposto do castelo, dentro de uma pequena torre em cenas uranistas.

O Rato possuía o Urso que estava de joelhos à sua frente. Ramiro viu o punhal de seu pai, no cinto do Rato, o cabo incrustado brilhava fugazmente na noite, acompanhando o movimento do seu portador.

Acho que foi a partir dessa data que Ramiro ficou perturbado. Alguns começaram a dizer que ele tinha vontade de fazer o mesmo.

Seja como for, todos notaram que estava diferente do rapaz que havíamos conhecido em Viseu. Era como se lhe tivessem tirado um peso de cima.

A convivência com o pai era-lhe insuportável, esmagava-o, feria-o, intoxicava-o e diminuía-o. Liberto desse jugo, parecia outro.

Para mais, não ver Chamoa minorava-lhe a dor. Havia quem dissesse, mais tarde, que Ramiro, depois desse desgosto, nunca mais foi capaz de amar uma mulher e que, também por isso, sentia-se bem ali, entre homens.

O seu maior prazer era a caça, era muito bom nisso, e lembrava sempre que fora a única coisa proveitosa que seu pai lhe ensinara.
                                                                                   

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