A praia de Santana do Agreste |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº 64
ONDE A MANSA LEONORA CANTARELLI PROCLAMA IMPORTANTE
DECISÃO
No sábado, pela madrugada, Tieta, Leonora e Peto embarcam na canoa do
Comandante Dário que os veio buscar deixando dona Laura na Toca da Sogra ainda
adormecida: quando acordar, vai cuidar dos preparativos para recepcionar as
visitantes. No almoço, haverá moqueca, o peixe fresqui nho,
pescado na hora.
Os demais irão no domingo, sábado é dia de muita ocupação em Agreste. Ricardo
preso à missa, Astério preso à loja, Elisa à cozinha, Ascânio à Prefeitura onde
atende ao povaréu do interior do município até o fim da tarde.
Dona Carmosina a esperar a marinete para distribuir jornais e revistas,
entregar e receber cartas, ler e redigir algumas, a pedido de roceiros
iletrados.
Para as gentes dos povoados e do campo, sábado é o dia de compras,
das queixas, das reclamações e dos pedidos à municipalidade, da correspondência
com os parentes emigrados para o sul.
Com dona Carmosina irá dona Milú levando comida para juntar à de dona
Laura e fazerem um piquenique na sombra dos coqueiros.
Também o vate Barbozinha
se estiver melhor do reumatismo a castigá-lo pela mania de ficar acordado até altas
horas da noite, sondando o horizonte à espera de discos voadores, de naves
espaciais de onde desçam seres das mais remotas galáxias, vindas de visita ao
grão-mestre de todas as sociedades secretas, Gregório Eustáqui o de Matos Barbosa, filósofo e vidente conhecido
na imensidão do sistema celeste.
Ultimamente recebeu irradiações poderosas,
anúncios de acontecimentos extraordinários em futuro próximo. De quando em vez,
num disco luminoso ou na pouco recomendável companhia de Osnar; de Seixas; de
Fidélio e Aminthas, desembarca o poeta na casa mal afamada de Zuleika
Cinderela, no Beco da Amargura, onde range a música de velhos discos e se pode
dançar com raparigas.
Nos tempos boémios e literários da capital, em companhia
de Giovani Guimarães, James Amado e Wilson Lins, no castelo de Vavá ou no 63 da
Ladeira da Montanha, o vate Barbozinha era apreciado pé-de-valsa. Hoje,
envelhecido, meio entrevado, mesmo assim faz figura na cadência dos passos de
um foxtrote, no rodopio de uma valsa. Num tango ainda arranca palmas.
Tieta e Leonora assistem ao sol nascendo sobre o rio, a moça de são
Paulo vai calada, um ténue sorriso: o Comandante a observa e percebe a emoção a
dominá-la. Quando ele chegou de volta e fez esse mesmo caminho descendo o rio,
não conteve as lágrimas.
Tieta tampouco fala, a face fechada, quase dolorosa.
Apenas Peto espana a água com as mãos quando não ajuda o Comandante nas
manobras.
Na Toca da Sogra, onde dona Laura recebe os visitantes com água de coco
e pequenos peixes fritos no azeite-de-dendê – tem batida de pitanga e de
maracujá para quem qui ser – o
Comandante desdobrou sobre a mesa uma planta rudimentar dos terrenos de
propriedade de Modesto Pires, traçada por ele próprio:
- Aqui está a Toca, nosso
terreno. Eu lhe aconselho, Tieta, a comprar esse aqui ,
vizinho ao nosso, nessa área do coqueiral. É a parte mais bonita e a mais
defendida da areia. Podemos ir até lá, se qui ser.
- Agora mesmo, para isso vim.
Não veio para isso, veio para rever as dunas e nelas se encontrar. Mas
demora de propósito, retém a vontade de correr para os cômoros, de subir ao
alto e olhar a imensidão.
Com o Comandante e Leonora, vai constatar as vantagens do terreno,
quando regressar a Agreste efectuará a compra.
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