Ela não passa de uma cabra em cio.... |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO
Nº 63
DA EMOCIONANTE VISÂO E DO PESADELO COM CABULOSO ANJO
Antes de recolher-se, Tieta passa no banheiro. Está risonha e aérea, um pouco bebida, quase em estado de graça. Para a noite ser completa…bem deixa isso para lá.
Vagarosa, no corredor, na mão a placa acesa. Comera como um bicho, há quantos
anos não provava frigideira de maturi?
Os qui tutes, cada qual o mais
saboroso, de estalar a língua e revirar os olhos. Quantos repetira, todos
engordantes?
Quantos cálices de licor de frutas – de pitanga, maravilha; de
groselha, divino; de rosas, perfumado; o indispensável licor de jenipapo,
tantos – todos embriagadores. Para completar a noite, só falta…Cala a boca,
viúva alegre, mais que alegre, libertina.
Em frente ao gabinete, no reflexo da luz da placa, Tieta enxerga a rede onde
Ricardo dorme. Espia na porta, distingue na sombra o sobrinho a ressonar.
Que é aqui lo? Dá um passo, entra.
Suspende a luz, espia e vê. Descomposto, o camisolão subindo pelo peito e por
baixo nada. Ela o julgava verde, nem de vez ainda. Enganara-se, benza Deus.
Para estar assim armado com quem sonha o seminarista? Com os santos não há-de
ser. Aquele tesouro ali à mão e ela proibida, que injustiça mais medonha.
Não
sabe bem porque proibida, mas deve existir uma razão a fazê-la afastar a vista,
voltar as costas, andar para a alcova, a placa acesa, acesa ela também. Que
desperdício!
Empanturrada dorme sonho agitado. Primeiro sonha com Leonora e Ascânio, fogem
os dois pelas ruas de Agreste, perseguidos pela população, à frente dos
linchadores estão o profeta Possidónio e Zé Esteves, brandindo o cajado.
O pesadelo prossegue com Lucas a lhe ensinar posições e requi ntes enquanto Ricardo, de batina e asas de anjo,
sobrevoa o leito. Suspende a batina, exibe a estrovenga. Lucas sumiu. Anjo
decaído, o sobrinho propõe massajar-lhe o cangote com o magno instrumento.
Mas
quando Tieta vai agarrá-lo, os braços não se elevam, estão presos. O anjo não é
mais Ricardo, é o bode Inácio. Ela não passa de uma cabra em cio, saltando
sobre as pedras.
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