Vivo morrendo por você, Tieta |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÒDIO Nº 62
A Generala se empanturra, ouvindo, sem prestar atenção, a conversa de
Barbozinha que se declara cozinheiro de mão cheia; não existe aliás profissão
que ele não conheça a fundo, tendo-as exercido todas à perfeição.
Tieta aprova
com a cabeça ou com monossílabos, enquanto constata alarmada como está
engordando, daqui a dias não caberá
nos vestidos.
Quisera ter a natureza de Leonora que não engorda. Passou tanta
necessidade, ficou magra para o resto da vida. Procura a enteada com os olhos.
Lá está ela, na varanda, derretida ao lado de Ascânio.
Cabrita sofrida e
direita, ninguém merece tanto ser feliz. Terá Ascânio tamanha competência?
Tieta não crê. Mesmo se ele qui sesse,
em Agreste seria impossível.
Dona Milú e dona Carmosina vêm juntar-se ao poeta:
- Nunca vi ninguém tão apaixonado como está Ascânio. – Dona Carmosina
não tem outro assunto. – Você acredita que Leonora corresponda?
- Não sei… ela sofreu muito, já lhe contei, Carmô. Teve um noivo que só
queria avançar no dinheiro dela, dona Milú. Foi uma decepção muito grande, até
hoje está marcada.
Barbozinha confia na força do amor:
- Ninguém morre de amor, de amor se vive.
- Sem vergonha! Depois vem dizer que já morreu de amor por mim não sei
quantas vezes. Também encarna e desencarna com a maior facilidade.
- Vivo morrendo por você, Tieta. Se você lesse meus versos, saberia.
- Seu Barbozinha ainda é melhor na mentira do que na rima. Mentiroso não
tem igual por esta redondeza – afirma dona Milú e muda de assunto.
-E a casa Tieta, já achou outra, a seu gosto?
Todos a par da surpreendente alta ocorrida no preço dos imóveis com a
chegada das paulistas ricas.
- Uma descaração! Como se eu fosse realmente paulista, não tivesse
nascido e me criado aqui , uma
exploração. Mas, se dona Zulmira reduzir o preço, acabo comprando, é uma casa
como eu quero. As outras que corri, nenhuma me agradou.
Saem tarde do jantar. Ascânio as acompanha até à porta de casa.
Perpétua morta de sono, habitualmente dorme às nove da noite, às seis da manhã
firme na Igreja para a missa.
Leonora, nas nuvens, sorriso abobado, olhar de
quebranto, cabrita tola. Tieta sacode os ombros, no fundo não tem muita
importância, não se morre de amor, de amor se vive; Barbozinha tem razão,
alguém disse que os poetas têm sempre razão.
Tendo passado o que passou, o
namoro de Ascânio não podia fazê-la mais infeliz. Algumas lágrimas no ônibus de
volta, depois o esquecimento.
Antes de despedir-se, Ascânio assume um ar solene, convida dona
Antonieta para ser madrinha da inauguração festiva do calçamento, do jardim e
dos bancos da Praça Modesto Pires, antes denominada Praça do Curtume; o curtume
de peles fica próximo, na ribanceira do rio.
Obra da Prefeitura, contara com a
ajuda do importante cidadão: Modesto Pires oferecera os três bancos de ferro.
Agradecida e bajuladora, a Câmara Municipal decidira mudar o nome da Praça. A
cerimónia será antes do Natal, com exibição de ternos de reis e do bumba-meu-boi
de Valdemar Coto.
- Quem deve ser madrinha é dona Aída, mulher de seu Modesto. Ela ou
bem… - ri descontraída, ligeiramente tonta, abusou dos licores - …Carol, ou as
duas juntas para não haver injustiças…
Perturba-se Ascânio, dona Antonieta infunde-lhe um certo temor, nunca
se sabe quando fala a sério e quando brinca:
- É que tem duas placas para serem descerradas. Uma, com o novo nome da
Praça, quem vai puxar a fita é dona Aída. Mas a placa das obras, no obelisco, a
mais importante, eu queria que fosse a senhora. Tive a ideia e meu padrinho, o
coronel Artur, que é o Presidente da Câmara, achou ópt ima.
Mandou que convidasse a senhora em nome dele.
Licores docíssimos, tantos brindes à sua saúde, Tieta flutua. Noite
encantada, cálida, alegre. Quem é ela para paraninfar inauguração de praça
pública? Aceita, comovida.
- Se não fosse por outra coisa, bastavam os telegramas que a senhora
mandou para São Paulo sobre a luz eléctrica. Mesmo que não dê resultado, o
gesto é valioso, a intenção merece…
- Nenhum gesto vale nada quando não dá certo, meu filho, Intenção? De
que serve intenção, por melhor que seja? Na vida, somente os resultados contam,
não se engane. Muito obrigado e boa noite.
Deixa os dois na porta, ri sozinha, à toa.
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