(Domingos Amaral)
Episódio Nº 158
Soure, Julho de 1127
O velho cavaleiro Gondomar,
apesar das suas maleitas oculares permanentes, sentia-se orgulhoso da Ordem dos
Pobres Cavaleiros de Cristo, que liderava em Soure.
Com a ajuda de muitos
mendigos a quem haviam dado trabalho, o castelo estava finalmente reconstruido!
Onze anos depois da primeira
invasão de Ali Yusuf, as muralhas estavam reedificadas, a torre renascera e a
pequena alcáçova encontrava-se habitável.
Embora se sentisse cansado e
adoentado, o cavaleiro do manto branco cumprira a sua primeira missão no
Condado Portucalense, fortificando o seu flanco sul.
No entanto, Gondomar,
falhara na sua segunda missão. Não encontrara a relíqui a
que o conde Henrique trouxera anos antes da Terra Santa, e continuava sem saber
quem havia acompanhado o pai de Afonso Henriques numa surtida a Soure.
Teria sido Paio Soares?
Gondomar não tinha novas provas para o expor. E quem era o terceiro homem, que
se suspeitava ser um religioso?
Gonçalo Pais, bispo de
Coimbra, quando confrontado com tais perguntas, referira que o cabido da Sé
mudara bastante desde esse longínquo ano, havia muitos mais novos cónegos,
padres e priores.
Então, Gondomar escrevera a
Hugo de Payins, o Grão-Mestre da Ordem, a reportar os seus curtos avanços, e
recebera de volta instruções para se dirigir a Cister, ao encontro de Bernardo
de Claraval, deixando em Soure alguém a substituí-lo.
O candidato mais óbvio era
Ramiro, embora tivesse contra si o facto de ser um bastardo e não um
rico-homem. Ao longo daquele ano, alguns cavaleiros-vilões tinham-se juntado a
eles e o grupo já não se limitava aos originais, o Rato, o Velho, o Ameixa, Peida
Gorda e o Santinho, recuperado das suas mazelas.
Havia pelo menos mais cinco
cavaleiros nas suas fileiras, e Soure dispunha agora de uma guarnição que
contava também com cinco escudeiros e quase vinte peões, a juntar a duas
dezenas de lavradores e suas famílias, que se tinham estabelecido à volta das
muralhas.
Antes de chamar Ramiro,
Gondomar ouviu o novo pároco de Soure, que fora nomeado pelo bispo de Coimbra. De
seu nome Martinho Árias, deveria ter uns quarenta anos, e era cónego há mais de
duas décadas no cabido da Sé. Foi ele quem me contou a conversa que tiveram e o
que aconteceu de seguida.
- Sim, pode ser Ramiro –
declarou Martinho que parecia zangado.
Gondomar qui s conhecer os motivos do seu desagrado. O padre
colocou as mãos atrás das costas e começou a passear na pequena salinha da
torre do castelo de Soure.
- Esta gente é rude e abrutalhada – disse
O velho cavaleiro sempre
enrolado no seu manto branco, pediu compreensão para os membros da Ordem: eram
bons trabalhadores, haviam reconstruido o castelo! E eram corajosos, tinham
lutado bravamente contra os sarracenos, no ano anterior!
Martinho Árias, em passadas
curtas, ia até a parede do fundo e depois dava meia-volta e regressava até
chegar à parede oposta. Aí dava nova meia volta e recomeçava o caminho inverso.
- Pois, mas... onde vão
continuar a dormir.
A prioridade tinha sido
reconstruir a torre e a muralha, e durante o inverno os cavaleiros, escudeiros
e peões tinham ficado em pequenas casotas de madeira, erguidas á pressa.
As primeiras casas de pedra,
do lado de fora da muralha, eram dos lavradores.
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