sexta-feira, fevereiro 19, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 194



















Gonçalo, fingindo-se ofendido, fez beicinho.

- «Egas, mas fui eu que convenci o rei! Quero ir a Compostela com ele, mas é só para rezar por vós e por vossos filhos!»

Todos aplaudiram aquele teatro e Zulmira aplaudiu Gonçalo:

 - És melhor do que muitos bobos!

Este bebeu mais vinho e avisou:

 - Se não tivesse na presença de várias damas, imitava para vós Dona Teresa e o Trava, nas suas acaloradas manhãs!

Enquanto as mulheres se riam Gomes Nunes aproveitou a deixa e perguntou a Afonso Henriques se ia mesmo guerrear a mãe e o Trava.

Todos se calaram, excepto Fátima, que resmungou:

 - Que se matem uns aos outros, menos cristãos ficam.

O príncipe intrigado mirou Zulmira e interrogou-a:

 - É verdade que Soure foi atacada por vossa causa?

Aflita a mãe moura abanou a cabeça negando tal versão, e relembrou:

 - Ataques desses são habituais há dezenas de anos.

Incomodada com conversas bélicas que a assustavam, Elvira deu por terminada a ceia, impondo o recolher a todos.

Fátima e Zulmira despediram-se tal como os senhores de Tui depois de destinarem aos portucalenses quartos no piso superior da casa.

Porém, sem levantar o rabo do banco, Gonçalo agarrou Zaida e obrigou-a a permanecer sentada, perguntando-lhe:

 - É verdade que vos banhais nuas no rio?

Chamoa riu-se, divertida, e Zaida respondeu:

 - Em Córdova as mulheres vivem em haréns. Estamos habituadas a banharmo-nos e a dormir juntas!

Gonçalo esbugalhou os olhos:

 - Na mesma cama?

Sorridente, a rapariga informou-o:

 - Eu durmo com minha mãe, a Fátima tem uma cama só para ela.

No seu lugar, Chamoa confessou:

 - Em certos dias, quando estou muito agitada, adormecem-me a contar histórias sobre a serra Morena.

Afonso Henriques franziu o sobrolho, mas ela antecipou-se:

 - Por que pensais logo em coisas impróprias? É bom ter companhia. Estou muito sozinha, minha irmã foi viver para Guimarães e meu marido só passa por cá de quando em vez.

Se não fossem Zulmira e Zaida viveria triste e só.

Enquanto Zaida sorria misteriosamente, o príncipe pediu a Chamoa que o acompanhasse até ao alpendre.

Depois de eles saírem, Gonçalo, encostou-se à mais nova das mouras e disse-lhe ao ouvido:

 - Estou enamorado de vós.

A rapariga riu-se, agradada, mas logo respondeu:

 - Sois um atrevido. Deveis dizer isso a todas!

Gonçalo empertigou-se, fingindo-se posto em causa:

- Sois a única moura que me encanta!

Colocando a cabeça no ombro dela, implorou baixinho:

- Não me tortureis mais...

Intrigada, Zaida perguntou:

 - Que desejais, não me posso casar convosco:

Gonçalo encolheu os ombros e sussurou:

- Bastava-me uma noite. Ficai comigo, bela Zaida até o sol nascer.

A rapariga fez-lhe umas festas carinhosas no cabelo, e depois beijou-o levemente na boca.

Gonçalo  animou-se e abraçou-a, mas de repente ouviram-se passos, e Zaida afastou-se dizendo:


 - É minha mãe, vem chamar-me!

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