Bafo de Bode |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº 91
Ideia de Ascânio contara com o apoio geral, na boca do povo Tieta era a heroína da cidade. Não a tinham ainda colocado no altar-mor da Matriz, ao lado da Senhora de Sant’Ana, como previra Modesto Pires, mas pouco faltava.
Ao passar na rua, no princípio da tarde, na companhia
de Leonora e de Perpétua, a caminho do cartório onde marcara encontro com o
dono do trapiche, das casas saíam pessoas para cumprimentá-la, para lhe
agradecer: houve quem lhe beijasse a mão.
Ao sabê-la no Agreste, o coronel
Artur de Tapitanga abandonou a casa grande da fazenda, andando o qui lómetro a separá-lo da rua, veio abraçar a
benemérita cidadã:
- Minha filha, Deus escreve certo por linhas tortas. Quando Zé Esteves
lhe tocou daqui , era porque Deus a
queria fazer voltar como rainha. – Punha-lhe uns olhos de bode velho e lúbrico
já sem força nos ovos mas ainda com apetite no coração.
- Quando vai-me visitar
ver minhas cabras?
Também Bafo de Bode (na imagem) a homenageou à sua maneira, ao vê-la na
porta do cinema:
- Viva dona Tieta que manda um bocado e é um pedaço de mau caminho!
Tieta, ao passar, na mão negra de sujo deixa o necessário para uma
semana de cachaça farta e ao adiantar-se, na intenção de alegrar-lhe os olhos,
soltou as cadeiras em requebro de proa de barco em meio de vendaval.
Concluída a escritura, lavrado o termo da compra do terreno, completado
o pagamento em moeda viva, Tieta, antes de voltar para casa, passou na Agência
dos Correios para abraçar dona Carmosina e despachar uma carta.
Já agora
acompanhada também por Ascânio e pelo bardo De Matos Barbosa, atacado de
saudade e reumatismo: tua presença Tieta, é sol e medicina, basta-me fitar teu
rosto para me sentir curado.
Dona Carmosina anunciou:
- De noite, vou lhe ver para a gente conversar. Tenho muitas novidades…
os olhos indicavam Leonora e Ascânio, assunto predilecto.
- Não estarei. Volto hoje mesmo, daqui
a pouco, para Mangue Seco. Passei para lhe ver e saber notícias de dona Milú.
- Volta hoje? Por que toda essa pressa?
- Estou levantando minha choupana, já comecei. Tu me conhece, quando
quero um coisa, quero logo, tenho pressa. Desejo ver as paredes de pé antes de
ir embora.
Você não pode ir embora tão cedo. Nem fale nisso.
- Por que não?
- Antes da inauguração da luz? O povo não vai deixar.
Tieta riu:
- Até me sinto candidata a deputado… Você me representa na festa. –
Mas, quem sabe, talvez eu fique, prolongue as férias, não tanto pela festa mas
para ver a minha casinha de pé, em Mangue Seco.
Em casa, a sós com Perpétua, Tieta dera-lhe notícias de Ricardo: menino
bom, sobrinho querido, estava sendo de inestimável ajuda.
Sob a orientação do
Comandante, tomava iniciativas e providências, atravessara duas vezes para o
arraial do Saco onde contratara o pessoal necessário, pedreiros e carpinas,
mestre-de-obra, gente habituada a trabalhar com troncos de coqueiro sobre areia
movediça.
Adiantara todos os detalhes, a construção iniciara-se na véspera. Ela
o prenderia em Mangue Seco
ainda uns dias, nomeara-o seu lugar-tenente.
- O tempo que você qui ser,
mana, ele está de férias.
Por falar de férias, Ricardo mandara pedir os livros de estudo, nem na
praia descuidava dos deveres escolares. Dormia na sala da Toca da Sogra, numa
rede, menino de ouro, Tieta queria ajudá-lo e para tanto decidira abrir uma
caderneta de poupança em nome dele, num banco em São Paulo.
Perpétua elevou os olhos gratos para o céu, o Senhor começava a cumprir
sua parte no trato feito. Depois de agradecer a Deus, fitou Tieta e a ela se
dirigiu:
- Não sei o que lhe dizer, mana. Deus lhe há-de pagar. –
Tomou, num
gesto inopinado a mão da irmã, levou-a ao peito apertando-a contra o coração.
Usava corpete de tecido grosso, duro como um peitoril. Com o lenço negro
enxugou os olhos lacrimosos.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home