Nas mãos exibia grossas luvas de material exótico. |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº85
DA NAVE NA PRAÇA DA
MATRIZ, QUANDO SE ESTABLECEM OS PRIMEIROS CONTACTOS ENTRE OS SUPER- HERÓIS E OS
HUMANOS, COM REFERÊNCIAS A HOTÉIS E A ASFALTO, ENQUANTO MISS VÉNUS FRETA CADA UM
DOS HOMENS, INCUSIVÉ SEU MANUEL PORTUGUÊS
Deserta e silenciosa a praça da Matriz quando a nave, num espaventoso
clamor de gases soltos, ali se deteve e o ser provavelmente macho – em razão
dos cabelos longos, sobrando do capacete, e das olheiras violetas, houve quem
lhe discutisse o sexo – saltou por cima da porta da extravagante máqui na, circulou o olhar em torno, não enxergou
ninguém.
Nas mãos, exibia grossas luvas de exótico material.
Envergava flamante
vestimenta, espécie de macacão azul com zíperes e bolsos nas pernas e braços,
ilhoses e tachas de metal, a fulgurar.
Observação mais detalhada, demonstrava tratar-se de calça e blusão, os
bolsos repletos de objectos estranhos, armas mortais, imprevisíveis.
Vestido de
maneira absolutamente igual, sem outra diferença além do volume do busto, o ser
fêmea suspendeu o capacete e revelou-se ópt ima.
Retirando as luvas, com os longos dedos afofou a cabeleira ruiva – não mais
longa que a do companheiro – com uma faixa platinada ao centro a denunciar-lhe
a origem venusiana ou carioca, de qualquer forma apaixonante.
Do escondido do bar, Osnar observava, estupefacto; presentes apenas ele
e seu Manuel Português.
- Oh! Luso Almirante! Venha ver e me diga se é verdade ou delírio
alcoólico o que estou vendo. Ontem bebi demais em casa de Zuleika.
Seu Manuel abandonou os copos nos quais passava água – também não
precisa abusar da imundice, Vasco da Gama, dizia-lhe Aminthas apontando as
marcas de sujeira em pratos, copos e talheres – veio até à porta. Abriu a boca,
coçou o queixo:
- Quem são esses valdevinos?
- De tanto Ascânio falar em turistas, eles apareceram… - arriscou Osnar
– A não ser que sejam os tripulantes do disco voador de Mangue Seco.
Constatada a ausência de terráqueos, o ser provavelmente macho
regressou à nave, a venusiana enfiou as luvas; os abomináveis ruídos sinistros
recomeçaram, a negra fumaça soltou-se por canos e orifícios, o veículo descolou
num salto e se perdeu num beco.
Durante certo tempo ouviu-se na cidade a
barulheira, acordando em susto os que tiravam uma pestana como Edmundo Ribeiro,
o colector, e o árabe Chalita; trazendo à porta das casas os surpresos,
assombrados habitantes.
Houve comerciante a fechar portas de loja e de armazém,
quem sabe Lampião voltara dos infernos, motorizado.
Lampião nunca chegou a
Agreste mas certa feita estivera perto, a três léguas de marcha, ainda hoje o
facto é recordado
Quando os super-heróis, percorridas ruas e becos, retornaram à praça da
Matriz e outra vez aterrizaram, já Ascânio Trindade que os vira da janela do
sobrado da Prefeitura, descia a escada a correr, vindo-lhes ao encontro.
Osnar
falara em turistas gozando o amigo, mas Ascânio se o tivesse ouvido, aprovaria:
turistas, por que não? Os primeiros a atender ao convite redigido por ele (com
a preciosa ajuda de dona Carmosina) e enviado ao jornal A Tarde, da Capital,
sugerindo aos turistas “esticar de Salvador até à mais saudável cidade do
Estado, Sant’Ana do Agreste, para conhecer a mais bela praia do mundo, a praia
das dunas de Mangue Seco”.
A gazeta publicara a carta na coluna dos leitores,
lastimando, em pequena nota de redacção, o péssimo estado da rodovia a impedir
na prática a aceitação do convite.
Ninguém de bom senso se disporia a jogar a
sorte do seu automóvel nas crateras da estrada cada vez mais esburacada somente
para conhecer Agreste, “recanto realmente paradisíaco”. Quem escapasse ileso da
buraqueira da via principal teria de enfrentar ainda os “indescritíveis
cinquenta qui lómetros de barro, a
partir de Esplanada.
Ascânio arvora vitorioso sorriso no rosto em geral sério: mesmo assim,
com a estrada de crateras e de sobra os quarenta e oito qui lómetros
– quarenta e oito e não cinquenta – fatais, surgiam corajosos dispostos a
atender ao chamado.
Empoeirados, suarentos, os estranhos seres acenaram gestos cordiais e
sequi osos. A fêmea deu pressa, com a
enorme pata de corno.
- Boa tarde… Sejam bem-vindos a Agreste! – saudou Ascânio alegremente.
- Bonjour, frère! Respondeu o espacial tirando a luva para tomar de um
lenço lilás e limpar a testa – Que calorzinho, hein!
- Daqui a pouco refresca. As
tardes, a partir das quatro, são fresquíssimas, de noite chega a fazer frio. Clima seco, ideal – Ascânio Trindade
inicia sua pregação nem
por isso o burgo estava preparado e a comoção foi imensa.
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