(Domingos do Amaral))
Episódio Nº 224
Depois, com um tom meloso,
murmurou:
- Vós é que me agradais,
desde que vos vi, em Viseu.
Não me haveis tratado como os outros, como uma reles
soldadeira, mas sim como mulher honrada.
Afonso Henriques sorriu
ligeiramente e disse:
- Descendente de
normandos... Deves ser uma lutadora feroz.
Elvira deu uma gargalhada,
mas depois levou a mão à boca, aflita, temendo acordar as duas meninas que
dormiam nos berços.
Vendo que elas continuavam
serenas, exclamou:
Não posso crer que me
temais!
O príncipe franziu a testa:
- Não temo ninguém.
Elvira riu-se e provocou-o:
- Estais muito sério.
Por razões que ela
desconhecia ele irritou-se, e ela, emendando a mão, logo lhe perguntou:
- Quereis lutar também
comigo?
Sem esperar pela resposta
cresceu para ele, de punhos fechados, numa mímica de combate que o fez sorrir.
Assim gosto mais, murmurou
Elvira.
Então, despiu vagarosamente
a túnica e ficou nua em frente dele.
Nas horas seguintes, do
outro lado da porta, a minha prima Raimunda foi-se destruindo por dentro,
ouvindo os gemidos daqueles amantes, os seus risos e as suas sugestões.
Sem os ver, imaginou-os, estraçalhando cada vez mais o seu coração, e mergulhando num torpor negro e
sinistro, que lhe roubou a alegria de viver.
Entregara-se durante anos ao
seu amado, e quando por fim afastava a rival, Chamoa, Afonso Henriques
encantava-se por uma descendente de normandos, que agora filhava, entusiasmado,
dando-lhe palmadas no rabo, gemendo de prazer como nunca fizera por ela.
Dei-lhe tudo, Lourenço, e
ele matou-me assim, quando qui s
outra.
Toledo, Julho de 1128
A viagem à cidade real de
Afonso VII demorou três semanas e meu pai e a sua comitiva de acompanhantes –
que incluía sua esposa Teresa de Celanova, eu, meus irmãos Afonso e Soeiro, meu
tio Ermígio e minha prima Raimunda – cavalgamos preocupados, temendo pelas
nossas sortes.
Já na capital dos reinos
hispânicos cristãos, antes de sermos recebidos, meu pai propôs que todos
vestíssemos túnicas brancas e nos apresentássemos de cordas ao pescoço.
Teresa de Celanova
afligiu-se:
- E se o rei decide enforcar-nos?
Pesaroso, meu pai murmurou:
- É seu direito, é isso que temos de arriscar.
Teresa choramingou, mas meu
tio Ermígio comentou:
- Talvez a vossa presença comova o rei.
Porém, quando a nossa
embaixada entrou na sala principal do castelo de Toledo, provocou uma
perplexidade geral na corte de Afonso VII e Teresa de Celanova temeu que nem a
sua aparição nos salvasse.
O monarca, julgando que
estava a ser vexado, recebeu meu pai com desprezo.
Para que são essas cordas? -
gritou
Estávamos em fila; meu pai à
frente, seguido de sua esposa, e depois nós, seus três filhos, todos com os
cordames à volta do pescoço.
- Afonso VII de Leão,
Castela e Galiza: entrego-vos a minha vida, a de minha esposa e as de meus três
filhos nas vossas mãos como penhor da promessa feita em nome do príncipe de Portugal,
dado que não a cumpriu – disse meu pai, Egas Moniz.
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