sábado, março 19, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 217


















Atrapalhado, o Trava berrava, ordenando que alguém chamasse depressa Peres Cativo, para os reforçar.

A decisão não só foi tardia como inútil, pois Peres Cativo ignorou-a, decidindo não socorrer o meio-irmão que o apelidara de traidor.

A perícia e coragem do Lidador desbarataram as primeiras linhas do Trava, que em pouco tempo se viu cercado. A grande maioria dos seus homens, que havia recuado de mais, nem sequer chegou a lutar, pois rapidamente se espalhou a notícia de que o Trava mais novo, tal como o mais velho antes, fora feito prisioneiro.

Entretanto, do outro lado do campo da Ataca a carga entusiástica de Afonso Henriques e Gonçalo de Sousa, bem como a superioridade numérica, devastou as tropas de Paio Soares, também elas surpreendidas pela investida.

Os seiscentos homens que ainda restavam ao marido de Chamoa foram impotentes para suster os novecentos portucalenses, e começaram a debandar, deixando o seu chefe vulnerável e apenas cercado por trinta cavaleiros.

Foi aqui que se deu a maior matança, pois os homens do príncipe foram implacáveis, aniquilando a maioria dos adversários em combates desiguais.

Paio Soares cedo percebeu que o seu destino estava traçado, mas nem por um momento cedeu. À sua volta vários adversários caíram, atingidos pela sua espada, até que estando ele a gladiar com dois deles, ouviu-se um tropel furioso.

Era Afonso Henriques que carregava, com a arma do pai erguida na mão direita. Vergastou furiosamente Paio Soares nas pernas, na cara e na barriga, dando-lhe várias estocadas que o atiraram ao chão.

Mal o Mordomo – Mor tombou do cavalo ouviu-se um brado geral, e os portucalenses festejaram a sua derrota, excepto Gonçalo porque aquele era um homem que admirava, apesar de tudo.

Afonso Henriques, já desmontado, acercou-se de Paio Soares. Este estava ferido, o sangue escorria-lhe da perna, da cara e da barriga e contorcia-se de dores, já sem o capacete.

Em sofrimento, balbuciou:

 - Sel... sel... um.

Ninguém o percebeu pois a sua cara encontrava-se totalmente desfigurada pelos golpes e já não conseguia falar.

Gonçalo fechou os olhos, desolado. No início da batalha, Paio Soares tivera o príncipe na ponta da espada, mas poupara-lhe a vida. Porém, Afonso Henriques não retribuíra esse gesto misericordioso e ferira gravemente o mordomo de sua mãe. Só alguns de nós sabíamos qual era a razão.



Ao final da tarde , o príncipe recebera Peres Cativo, que veio apresentar a rendição oficial dos galegos. Olhou-o curioso e comentou:

 - Pelo que vejo não haveis combatido.

Peres Cativo disse que aquela não era a sua guerra, e Afonso Henriques franzindo a testa perguntou-lhe se ele não era um Trava.

O seu interlocutor encolheu os ombros:

- Na Galiza, sou um bastardo.

Então. Afonso Henriques disse-lhe:

 - Podeis ser um dos meus homens. Sei bem da vossa mestria como guerreiro, e ainda bem para nós que hoje não a haveis usado.

Peres Cativo torceu o nariz, alegando que a família jamais lhe perdoaria a afronta, o que levou o príncipe a acrescentar, sorrindo:

 - Nem a mim.

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