quarta-feira, março 02, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)
 
Episódio Nº 203


















Coimbra, Maio de 1128


Todos sabíamos que Paio Soares não amava o filho bastardo. Ramiro amigara-se com Chamoa meses antes, e o pai não tinha confiança nele para lhe revelar algo de tão essencial e grandioso. Por isso, é compreensível que não lhe tenha falado na relíquia.

Porém, chegou a confessar-lhe as suas tentações políticas. Hoje, acredito que, se os portucalenses se tivessem empenhado em atraí-lo, ele teria mudado de lado.

Paio Soares estava pronto a trair o Trava. Só o risco de perder Chamoa o paralisava.


Na cidade de Coimbra, reinava grande azáfama nos primeiros dias de Maio, e quase dois mil homens preparavam-se para os combates, pois a partida para Guimarães estava para breve.

Ramiro dirigiu-se ao castelo para falar com o pai, já assaltado pelo mau -  estar que se sempre o vitimava nestas ocasiões.

Por sua sorte, Chamoa fora mãe pela segunda vez, semanas antes, e permanecera em Tui. Mas quando Paio Soares surgiu no pátio, sempre vaidoso, envolto num dos seus belos balandraus, as pernas ainda lhe tremeram.

- O que vos traz por cá? – perguntou-lhe o pai.

Ramiro descreveu as últimas palavras do falecido Gondomar, e Paio Soares fingiu-se surpreendido.

- Que história é essa?

Ramiro pressentiu perfeitamente que o pai estava a faltar à verdade, e contou que fora o pároco de Soure, o cónego Martinho, que sugerira aquela iniciativa. Paio Soares enervou-se:

 - Ramiro, o Condado Portucalense está em guerra! É isso que me preocupa, não uma historieta tola que passou há tantos anos!

As  rebeliões espalhavam-se, o Minho revoltara-se e o mordomo-mor confessou:

 - Nunca esperei que a raiva ao Trava fosse tanta. Só temos dois ou três nobres portucalenses connosco, os outros estão com o príncipe!

Ramiro comentou em voz baixa:

 - Dona Teresa não governa bem, faz tudo o que o Trava manda. Há fome em muitas cidades, o povo não gosta dela.

A constatação daquela verdade encheu de desânimo Paio Soares, que murmurou:

_ A Chamoa bem queria que eu me juntasse a Afonso Henriques.

O filho sorriu quase imperceptivelmente. Porém, o pai abanou a cabeça, cansado e desiludido, e lamentou-se:

 - Agora é tarde para isso, seria um traidor.

Ramiro olhou-o curioso e perguntou:

 - É verdade que Afonso VII não virá defender Dona Teresa?

Paio Soares confirmou que o rei de Leão, Castela e Galiza abandonara a tia embora ela lhe tivesse prestado vassalagem em Ricobayo.

Ele e o príncipe tinham-se entendido em Compostela. Ramiro recordou a cilada que o Trava e Dona Teresa haviam armado em Guimarães e, baixando a voz, acrescentou:

 - Querem o príncipe morto e ter um varão deles.

Paio Soares partilhava dúvidas idênticas. Mas nesse momento um criado veio chamá-lo, dizendo que Fernão Peres queria falar-lhe.



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