quarta-feira, março 30, 2016

Tieta do Agreste.
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)


EPISÒDIO Nº113















Certa feita um missionário, desses que vão de cidade em cidade pelo interior do Norte e do Nordeste, assustando o povo, e que não era outro senão o nosso conhecido Dom Alfonso de Narbona Y Rodomon, cuja pronúncia da língua portuguesa já era pronúncia de condenação, ao vê-lo, patriarca no recesso do lar, em companhia da terceira e derradeira amásia, a mais linda das três, jovem de vinte e poucos anos – curimã digna de um rei, no verso do violeiro Claudionor das Virgens, que rimou sua face de romã com luz da manhã – ao vê-lo rodeado de filhos e netos, apontou-lhe um dedo acusador e apostrofou:

- Não tem vergonha padre de levar vida assim licenciosa e, não contente de pecar, exibir publicamente as provas do pecado, escandalizando os fiéis?

- Deus disse: crescei e multiplicai-vos – respondeu o padre Inocêncio Maltêz, a voz pacata e o sorriso ameno – eu cumpro a lei de Deus.

Não vi, em parte nenhuma, notícia de que Deus houvesse dito que padre não pode ter mulher nem fazer filho. Muito depois é que inventaram essa lorota, obra de algum capado como vossa reverendíssima.

Quanto ao escândalo dos fiéis, para mortificação do missionário, ele próprio constatou não existir. Ao contrário, o que havia era certo gáudio, dir-se-ia mesmo certo orgulho do vigor do santo varão, aos oitenta anos se gabando de ainda cumprir as obrigações inerentes ao seu estado de mancebia. 

Não sendo padre Inocêncio homem de mentiras, os fiéis viram na potente façanha por ele revelada aspecto milagroso, evidente sinal de graça divina.

Aliás, ao que parece, os primeiros milagres do padre Inocêncio os realizou ainda em vida, antes de Deus o chamar ao paraíso onde o esperavam as três mulheres e nove filhos, os cinco mortos cedo e os quatro adultos e alguns netos e bisnetos, um pequeno clã.

Não foram, no entanto, grandiosas essas primeiras provas de santidade: pequenas curas, feitas à base da simples aplicação de água benta, de moléstias de pouca gravidade. Fez chover por duas vezes quando a seca ameaçou o povo de Sergipe.

Apenas faleceu, porém, e já no mesmo dia do funeral, acompanhado por toda a população da cidade e das vizinhanças começou a safra dos prodígios, cada qual mais impressionante.

Logo depois que o corpo do padre baixou à terra, ali mesmo junto ao jazigo perpétuo onde repousa ao lado dos restos mortais das três saudosas, uma paralítica invocou seu nome, largou as muletas e saiu andando com passo firme. A notícia se espalhou.

Depois desse espectacular começo nunca mais se deteve o Padre-Mestre e até hoje as curas se sucedem, cada vez mais numerosas e extraordinárias.

Laranjeiras, cidade da maior beleza, esperara durante anos, inutilmente, igual a agreste, os turistas que não vieram admirar-lhe o casario deslumbrante antes da completa destruição, obra do tempo e do descaso.

Em troca, com os milagres do padre Inocêncio, há uma romaria permanente de enfermos e aflitos a acender velas na igreja e no cemitério, junto à campa onde atende o boníssimo e viril pastor de almas. Para mulher estéril, basta rezar um terço e fazer o pedido, é tiro e queda; se forçar a reza nascem gémeos.

Na data aniversária da sua morte, a romaria cresce em santa missão e os peditórios somam milhares, a cidade ganha movimento, comércio e alegria.

Para acolher os peregrinos, além dos descendentes do reverendo, encontram-se gratos miraculados, à frente dos quais a hoje beata Marcolina, a que largou as muletas no dia do enterro do padre Inocêncio, a primeira agraciada.

Cito um exemplo, poderia citar vários, deixo de fazê-lo por não querer tomar mais tempo aos senhores. Antes de despedir-me, lastimo apenas que não exista em Agreste padre assim perfeito como o reverendo Inocêncio Maltêz, o santo de Laranjeiras, para promover o turismo religioso da cidade. 

Padre Mariano não dá aso a falatórios, por incorruptível ou discreto, não sei. Não pretendo me imiscuir em sua vida, não o acompanho quando vai à capital, resolver assuntos da diocese, certamente; para dar vazão à natureza, segundo a má-língua de Osnar e de outros debochados.

Pelo menos escândalos não provoca, capazes de desencadear a ira de missionários em busca de pecados; em Agreste jamais deu que falar. As beatas, a começar por Perpétua, estão de olho em cima dele, permanentemente, não afrouxam a vigilância.

Fugindo à tal vigilância me despeço. Preparo-me para ir a Laranjeira, muito em breve. A idade está chegando, sabem como é. Dizem que um óbolo para os pobres de padre Inocêncio, se obtêm surpreendentes resultados, tanto mais rígidos e duradouros quanto maior o óbolo.

Assim seja.

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