Tieta do Agreste. |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÒDIO Nº113
Certa feita um missionário, desses que vão de cidade em cidade
pelo interior do Norte e do Nordeste, assustando o povo, e que não era outro
senão o nosso conhecido Dom Alfonso de Narbona Y Rodomon, cuja pronúncia da
língua portuguesa já era pronúncia de condenação, ao vê-lo, patriarca no
recesso do lar, em companhia da terceira e derradeira amásia, a mais linda das
três, jovem de vinte e poucos anos – curimã digna de um rei, no verso do
violeiro Claudionor das Virgens, que rimou sua face de romã com luz da manhã –
ao vê-lo rodeado de filhos e netos, apontou-lhe um dedo acusador e apostrofou:
- Não tem vergonha padre de levar vida assim licenciosa e, não
contente de pecar, exibir publicamente as provas do pecado, escandalizando os
fiéis?
- Deus disse: crescei e multiplicai-vos – respondeu o padre
Inocêncio Maltêz, a voz pacata e o sorriso ameno – eu cumpro a lei de Deus.
Não
vi, em parte nenhuma, notícia de que Deus houvesse dito que padre não pode ter
mulher nem fazer filho. Muito depois é que inventaram essa lorota, obra de
algum capado como vossa reverendíssima.
Quanto ao escândalo dos fiéis, para mortificação do missionário,
ele próprio constatou não existir. Ao contrário, o que havia era certo gáudio,
dir-se-ia mesmo certo orgulho do vigor do santo varão, aos oitenta anos se
gabando de ainda cumprir as obrigações inerentes ao seu estado de mancebia.
Não
sendo padre Inocêncio homem de mentiras, os fiéis viram na potente façanha por
ele revelada aspecto milagroso, evidente sinal de graça divina.
Aliás, ao que parece, os primeiros milagres do padre Inocêncio os
realizou ainda em vida, antes de Deus o chamar ao paraíso onde o esperavam as
três mulheres e nove filhos, os cinco mortos cedo e os quatro adultos e alguns
netos e bisnetos, um pequeno clã.
Não foram, no entanto, grandiosas essas
primeiras provas de santidade: pequenas curas, feitas à base da simples
aplicação de água benta, de moléstias de pouca gravidade. Fez chover por duas
vezes quando a seca ameaçou o povo de Sergipe.
Apenas faleceu, porém, e já no mesmo dia do funeral, acompanhado
por toda a população da cidade e das vizinhanças começou a safra dos prodígios,
cada qual mais impressionante.
Logo depois que o corpo do padre baixou à terra,
ali mesmo junto ao jazigo perpétuo onde repousa ao lado dos restos mortais das
três saudosas, uma paralítica invocou seu nome, largou as muletas e saiu
andando com passo firme. A notícia se espalhou.
Depois desse espectacular começo nunca mais se deteve o
Padre-Mestre e até hoje as curas se sucedem, cada vez mais numerosas e
extraordinárias.
Laranjeiras, cidade da maior beleza, esperara durante anos,
inutilmente, igual a agreste, os turistas que não vieram admirar-lhe o casario
deslumbrante antes da completa destruição, obra do tempo e do descaso.
Em
troca, com os milagres do padre Inocêncio, há uma romaria permanente de
enfermos e aflitos a acender velas na igreja e no cemitério, junto à campa onde
atende o boníssimo e viril pastor de almas. Para mulher estéril, basta rezar um
terço e fazer o pedido, é tiro e queda; se forçar a reza nascem gémeos.
Na data aniversária da sua morte, a romaria cresce em santa missão
e os peditórios somam milhares, a cidade ganha movimento, comércio e alegria.
Para acolher os peregrinos, além dos descendentes do reverendo,
encontram-se gratos miraculados, à frente dos quais a hoje beata Marcolina, a
que largou as muletas no dia do enterro do padre Inocêncio, a primeira agraciada.
Cito um exemplo, poderia citar vários, deixo de fazê-lo por não
querer tomar mais tempo aos senhores. Antes de despedir-me, lastimo apenas que
não exista em Agreste padre assim perfeito como o reverendo Inocêncio Maltêz, o
santo de Laranjeiras, para promover o turismo religioso da cidade.
Padre
Mariano não dá aso a falatórios, por incorrupt ível
ou discreto, não sei. Não pretendo me imiscuir em sua vida, não o acompanho
quando vai à capital, resolver assuntos da diocese, certamente; para dar vazão
à natureza, segundo a má-língua de Osnar e de outros debochados.
Pelo menos
escândalos não provoca, capazes de desencadear a ira de missionários em busca
de pecados; em Agreste jamais deu que falar. As beatas, a começar por Perpétua,
estão de olho em cima dele, permanentemente, não afrouxam a vigilância.
Fugindo à tal vigilância me despeço. Preparo-me para ir a
Laranjeira, muito em breve. A
idade está chegando, sabem como é. Dizem que um óbolo para os pobres de padre
Inocêncio, se obtêm surpreendentes resultados,
tanto mais rígidos e duradouros quanto maior o óbolo.
Assim seja.
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