Uma casa isolada, perdida num sítio ermo. |
Alentejo Prometido
Henrique Raposo, cronista do Expresso desde 2008. de onde o conheço como leitor daquele daquele semanário, que fui durante muitos anos, é também um jovem escritor com posições afectas ao sector da direita conservadora da sociedade portuguesa.
Publicou agora um livro, Alentejo Prometido, que vai ser hoje
apresentado numa sessão de autógrafos mas que já mereceu críticas, no
“famigerado facebook”, por determinadas afirmações sobre os alentejanos
e que chocaram algumas pessoas, mais provavelmente os próprios alentejanos
mais jovens, que não gostaram de se ver retratados nelas.
Diz Henrique Raposo:
- « No Alentejo a eutanásia não é um debate, é uma forma de
convívio:... Atão não se houvera de matar!...
O suicídio é glorificado pelos
alentejanos o que acaba por cavar um abismo entre mim e os meus antepassados.
Uma cultura que aceita o suicídio e a eutanásia está no caminho errado.»
Esta visão sobre os alentejanos, uma espécie de “desistentes da
vida”, chocou muita gente que tendo a ver com o Alentejo de hoje não concordam
com estas histórias que o próprio autor reconheceu não estarem devidamente
contextualizadas.
Eu cheguei ao Alentejo, a Évora, em 1961 e lá permaneci vários
meses, recém-casado, instalado na Pensão do Policarpo, enquanto dava uma
recruta no Reg. Inf. 16.
Um dia, entregaram-me um Processo de Amparo, para eu averiguar e
emitir parecer sobre um pedido apresentado por um recruta que pretendia ser
dispensado da tropa por se considerar amparo da mãe.
Os contactos que tive então de estabelecer e que ainda retenho na
memória, passados cinquenta e cinco anos de uma vida, surgem como uma espécie de diapositivos
que incluem a figura de uma mulher, já envelhecida, que vivia numa casa isolada,
perdida num sítio ermo sem nada à sua volta.
Nada tinha, nem uma pequenina tira de terreno à volta das paredes
da casa onde vivia, apenas a distância, o isolamento, e o filho que felizmente
sobrevivera para cuidar dela.
O povo alentejano não tinha nada porque tudo era dos latifundiários: a terra e as árvores. Deles, apenas os braços para trabalhar, quando o havia, e a fome que os levava a procurar as bolotas dos
sobreiros e das azinheiras e que eles disputavam, no chão, aos porcos.
Tempos áureos do regime de Salazar que, de resto, no Alentejo, tinham sido
sempre assim, contrariados por uma ceifeira, de seu nome Catarina Eufémia, escolhida pelas colegas para apresentar as reivindicações porque falava melhor. Foi morta em 1954, pelo tenente Carrajola, que depois de lhe dar um murro que a prostrou no chão decidiu também tirar-lhe a vida.
Tinha 26 anos, analfabeta, mãe de três filhos, um deles com oito
meses. Foi acusada de oferecer resistência ao regime de Salazar mas o que ela
queria, de certeza, era mais trabalho e pão para os filhos. Queria outra vida
que não aquela...
Este, era o contexto que Henrique Raposo deveria ter apresentado
para enquadrar as suas histórias, as que foram mal recebidas, não por serem
falsas, mas porque faziam parte de uma história maior e mais antiga, a quando
da atribuição daquelas terras aos senhores que lhes chamaram suas sem que pouco
ou nada fizessem por elas e pelas gentes.
Mas Henrique Raposo é de direita, não gosta do PCP, que se
apropriou da Catarina Eufémia e simpatiza com Salazar... não sei, digo eu.
«Então, não se houvera de matar!...» dito pelos velhos alentejanos
começa a perceber-se melhor por que ninguém nasce com tendências suicidas...
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