terça-feira, março 08, 2016

Assim Nasceu Portugal 
(Domingos do Amaral)

Episódio Nº 207


















Também desiludida, Zulmira abanou a cabeça e acrescentou:

 - Por duas vezes, senti-me feliz, mas a morte roubou-me os meus dois maridos. O amor dura pouco tempo.

Talvez o amor não tivesse força para mudar os destinos do mundo, declarou Elvira. Tudo o que havia desejado não se havia concretizado.

O turbilhão político que as envolvia sobrepusera-se às paixões humanas entre homens e mulheres.

- Convenci-me que se vos casasse bem às duas, Toronho estaria salvo. Nem isso consegui – reconheceu.

Naquela bela e solarenga tarde, uma sombra caía sobre todos. A guerra entre Afonso Henriques e a sua mãe aproximava-se. Gomes Nunes prometera ao príncipe ajudá-lo, mas agora que se adivinhava a batalha de Guimarães o nobre de Tui hesitava.

No entanto, Chamoa evitava sempre pensar em confrontos bélicos, e com nostalgia relembrou os seus sonhos de infância.

Quando era nova só pensava em casar com um príncipe! Ao ouvi-la, Fátima indignou-se.

 - E ainda pensais! Haveis prometido deixar Paio Soares! Eu ouvi-vos, quando Afonso Henriques por cá passou, vindo de Compostela. E também vi como o haveis beijado no alpendre, ajoelhada.

Elvira franziu a testa mas a filha encolheu os ombros e rematou:

- Segui o vosso conselho, minha mãe.

Recordou as palavras da progenitora em Viseu e depois acrescentou:

 - Em troca, exigi a Afonso Henriques que não matasse o meu marido! E em Guimarães vou obrigar Paio Soares a poupar o príncipe!

Surpreendida, Zaida, perguntou-lhe:

 - Acreditais mesmo que não vão lutar um com o outro?

Chamoa estava crente disso.

Ambos me amam, não me vaso falhar!

Porém, mais experiente sua mãe avisou-a:

 - Em tempo de guerra, as certezas têm vida curta.

Chamoa encolheu os ombros, despreocupada. Para ela as questões militares não contavam, só as paixões que os homens lhe tinham.

- Depois da batalha ficarei com o príncipe. Mas só se ele afastar a outra, a magricela, não a quero por perto!

De súbito, Zulmira, animada perguntou-lhe:

 - Poderemos regressar a Coimbra convosco e com o príncipe?

Saudosa de Mem, Zulmira queria uma oportunidade para o rever, mas Chamoa duvidou que Afonso Henriques preferisse ir para o Sul.

Gosta mais de Guimarães – declarou.

Insistente, a mãe moura alegou que, caso ele se tornasse regente, teria de viajar pelo Condado e Chamoa viajaria com ele.

- Não vos preocupeis – garantiu então a rapariga – Andareis sempre comigo, fazeis-me muita companhia!

Elvira Peres de Trava franziu a testa, e iria certamente relembrar que não aprovava certas ousadias, quando um cavaleiro surgiu ao fundo do campo, aproximando-se delas a galope.

Elvira olhou para Tui com o coração apertado, mas não se via qualquer sinal de agitação na cidade e esperou tranquilamente a chegada do homem, que lhes pediu que regressassem ao castelo.

Quando entraram na sala, Gomes Nunes estava sentado com a cabeça entre as mãos.

O Trava enviava uma mensagem desde Viseu:

- A aproximação a Guimarães das forças de Dona Teresa seria feita em passo apressado, e exigia que o cunhado e a irmã se lhe juntassem lá, com as tropas que levariam de Tui.

- E agora, que fazemos? – bradou Gomes Nunes.

O senhor de Toronho prometera ao príncipe os seus homens mas agora o seu cunhado ordenava-lhe que alinhasse com Dona Teresa.

Torturado por aquele agudo dilema, paralisara de indecisão. Então, Chamoa sugeriu ser ela a partir primeiro, para se juntar ao marido, enquanto o pai se demorava mais tempo, evitando tomar partido na querela.

Aliviado, o aflito Gomes Nunes agarrou-se a ela e exclamou:

- Salvai Toronho, minha querida filha!

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