domingo, março 06, 2016

Num Hotel ao pé de mim....
Hoje é Domingo
(Na minha cidade de Santarém em 6/3/16)















Ontem, foi o dia do almoço comemorativo do 51º Aniversário do desembarque em Lisboa, no porto da Rocha de Conde de Óbidos, do Paquete Vera Cruz, que transportava o Batalhão de Caçadores 381, a que eu pertencia, e que terminara a sua comissão de 27 meses na guerra colonial de Angola.

A minha Companhia, a 388, que se intitulava, pomposamente, de Diabos Verdes, reúne-se, anualmente, para comemorar esse desembarque a 5 de Março de 1965, num almoço de confraternização.

Eu comecei a aparecer nesses almoços muito depois de eles se terem iniciado, apenas por desconhecimento.

O nosso camarada Bento, dono de um restaurante em Lisboa, era o organizador e quando ele, há 2 anos atrás, faleceu, cheguei a pensar que os almoços da 388 iriam acabar.

Muito próximo da morte, o Bento expressava à mulher as suas preocupações: ...” e agora, quem vai organizar os almoços?...”.

Almoços que eram da Companhia mas eram também os almoços dele, tal o empenho e o carinho que punha naquelas reuniões de convívio.

A sua experiência e sentido de responsabilidade como profissional da restauração, davam-lhe à vontade e mestria, e todos nós éramos a sua família alargada que ele reunia todos os anos nos almoços que ia organizando, um pouco por todo o país, para corresponder à dispersão geográfica  dos seus camaradas que se estendia de norte a sul, do Minho ao Algarve.

Com o seu falecimento pensei que os almoços de confraternização da Compª Caç. 388, dos Diabos Verdes, iriam terminar, como tantas vezes acontece quando os “carolas” que chamam a si essas iniciativas, pela natural lei da morte se vão libertando desta vida.

Mas aquela sentida e genuína preocupação expressa no leito da morte sobre o destino dos almoços, tocou-me fundo, a mim e a outros camaradas.

Terminar os nossos encontros era, não só uma enorme desfeita ao Bento, o “pai” dos almoços, como, igualmente, a morte de um passado das nossas vidas de 27 meses em Angola e que era necessário recordar em conjunto, enquanto fôssemos vivos, para ajudar a preencher as lacunas das memórias já cansadas porque estamos já todos com mais de 75 anos.

Por coincidência, esse primeiro almoço após o falecimento de Bento seria o 50º, o do meio século após a nossa chegada.

Estamos velhos, muitos já morreram e mais ainda são os que não se podem deslocar mas ontem, com os familiares, foram ainda 52 pessoas que se juntaram num hotel de Santarém e cantaram o hino da nossa Companhia, a dos Diabos Verdes.

Não sinto honra e muito menos me julgo herói por ter participado numa guerra injusta imposta ao país pelo ditador Salazar mas... estivemos lá, vivemos em conjunto aventuras, umas boas, outras que nos colocaram à beira da morte e das quais nem todos regressaram.

Poder, ao fim de 51 anos, continuar a abraçar esses camaradas de rostos agora já envelhecidos, e ver neles os rapazinhos que então éramos, gravados nas nossas memórias, é uma prova de vida, esplêndida e reconfortante.

Foi isto que ontem aconteceu, aqui em Santarém, num Hotel ao pé de mim, e continuará a acontecer enquanto eu for vivo e puder, no 1º Sábado do mês de Março de cada ano.


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