terça-feira, abril 19, 2016

Assim nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 244




















Gonçalo encolheu os ombros, amuado, enquanto Afonso Henriques se dirigia  a Mem e ordenava:

- Levareis o corpo de Zulmira ao castelo de Hisn Abi Cherif. Convosco irá o pároco Miguel Salomão que também, é moçárabe.



Não deixei de notar que com aquelas escolhas, Afonso Henriques afastava de Zaida, os seus dois óbvios pretendentes, Gonçalo e Mem.

Erradamente, eu estava convencido que o príncipe a queria filhar e reparei perfeitamente que Mem partiu de Coimbra enervado, pois poderia não ser ele o primeiro homem da moura mais nova.

Porém, tanto eu como o almocreve estávamos enganados. Apesar de se demonstrar forte e desejoso de mulheres, no seu interior Afonso Henriques continuava triste, com o coração ferido pela recusa de Chamoa e até ao dia em que Mem regressou de Córdova não voltou a falar com as duas mouras.


Serra Morena, Córdova, Agosto de 1129


Transportando o corpo de Zulmira dentro de um caixão de madeira, Mem e Miguel Salomão, deixaram Coimbra nos últimos dias de Julho, e chegaram ao castelo de His Abi Cherif, quatro semanas mais tarde, sendo recebidos pela velha criada, que estava sentada num banco e parecia esperar por eles.

Mal os viu, ela levantou-se a custo, mas não chorou, apenas tocou no caixão com a mão direita antes de lhes indicar o caminho para a Arrábida.

O pequeno mausoléu tinha quatro parapeitos de pedra, três dos quais estavam já ocupados. Em baixo, à direita, jazia Taxfin, segundo marido de Zulmira, e à esquerda o pai dele.

- Também se chamava Hixam. Estão todos com a cara virada para Meca – informou a criada.

Colocaram o caixão com Zulmira no parapeito vazio e Mem comoveu-se, duas lágrimas correram-lhe pela cara. Ao vê-lo assim, a velha criada fez-lhe uma festa carinhosa.

- Obrigado pelo amor que lhe haveis dado – disse.

De seguida, fecharam o túmulo e regressaram ao castelo, onde a velha criada lhes serviu cabrito de escabeche e doces.

O príncipe de Portugal quer saber quem era Zulmira e porque é que o califa de Marraquexe a mandou matar -  disse Mem.

As minhas meninas estão bem?

Mem garantiu que Fátima e Zaida estavam em segurança, mas que Abu Zakaria continuava a querer resgatá-las. A criada sorriu:

- E um dia ele vai conseguir, ele ama a Fátima.

Então, Mem revelou a história de Zulmira que já conhecia.

Quando referiu a fuga de Toledo, a criada voltou a sorrir.

- Fui eu que a ajudei.

Zulmira e ela, que era bem mais velha, haviam escapado certa noite, juntando-se a uns peregrinos que regressavam a Lisboa, vindos de Jerusalém.

Algumas semanas mais tarde, chegaram à cidade onde desaguava o Tejo. Zulmira tinha por lá um familiar e pediu-lhe asilo. Viveram em Lisboa uma vida pacata e foi lá que conheceram um homem mais velho, com mais de cinquenta invernos, muito amável e culto.

Chamava-se Hixam de Hisn Abi Cherif e pertencia a uma notável família de Córdova, Os Benu Umeyya.

- Os olhos negros e profundos de Hishan enfeitiçaram-na, num instante sagrado – contou a criada.

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