DE UM JUDEU
(Sammy Lachmann
– publicado no
Pasqui m)
Sempre que ouço
aquela música do Chico, "ó pedaço de mim, ó pedaço arrancado de
mim", me bate uma deprê braba. Lembro da minha infância e acabo
voltando no tempo. Estava eu deitado no meu bercinho, ainda com uma
semana de vida, quando começou a chegar gente em
casa. Era dia de festa. E festa de judeu lembra muito reunião
do PSDB: só tem tucano. Cada nareba que não tem mais tamanho.
Mamãe convidou só 30 pessoas, mas como era boca livre, veio judeu
de tudo quanto foi canto. Se mamãe cobrasse ingresso, corria o risco de
nem o papai aparecer. Não precisa dizer que os presentes não trouxeram
presentes.
Metade esqueceu em casa e a outra metade disse que não tinha dado
tempo de comprar. Coisas da religião. Cada um que chegava, vinha até o meu
bercinho. Quando se abaixavam para me ver mais de perto, virava um
autêntico ataque do exército israelense. Contabilizei pelo menos umas
30 narigadas na barriga. Em vez de olharem para os próprios umbigos,
vinham olhar pro meu. Acho que era por causa da "faixa de
gaze".
De repente, se fez o silêncio. Um ser estranho, trajando um terno
preto pra lá de surrado, com barba até a cintura, chapéu e cabelo
ponhonhóin dos lados adentrou a sala. Parecia o Capitão Caverna na versão
judaica. Ele veio na minha direção. Tirou um bisturi
reluzente.Ficamos frente a frente. Ele, o lobo mau, e eu, o solidéu
vermelho.
Para que esse nariz tão grande, perguntei. Por uns segundos,
cheguei a pensar que mamãe tinha resolvido fazer uma plástica no meu nariz
que, com menos de uma semana de vida, já era avantajado. Mas o negócio era
mais embaixo. Bem mais embaixo. Ele tirou a minha
fraldinha descartável, que mamãe tinha acabado de lavar, e eu
gritei, abri o berreiro: "Tira esse tarado ortodoxo daqui ! Esse comunista judeu quer comer criancinha!!! E
no rabino, não vai nada?
Apesar de tanta tecnologia, Buááááá não vem com legenda. Não sei por que ainda não inventaram uma tecla SAP para bebês. Parti então para a minha última tentativa: um ataque com armas químicas. Soltei duas bombas de efeito moral. PUM! PUM! Mas o bigode do sujeito cobria o nariz como uma máscara antigases. Ataquei com meus jatos poderosos, mas o xixi não conseguiu furar o bloqueio da barba blindada do velho.
Não teve jeito. O Jacozinho virou o Jacozinhozinho. Vai entender o que esse povo tem na cabeça, além desse chapeuzinho medonho? Em vez de sacrificarem uma galinha como na velha e boa macumba, eles sacrificam o pinto. Cortaram o meu pausówsky, meu penisberg. Ficou só o "cara".
O "lho" foi-se. Uma parte de mim estava agora que nem
pinto no lixo, literalmente. Depois de circuncidado, passei a entender o
porquê daquele muro das lamentações. Eu, pelo menos,lamento até hoje.
"Ó pedaço de mim..."
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