A Vitória do Imperador
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 15
Não conheceis as divisões que grassam em Roma? – trovejou.
O bispo Bernardo era um
homem pequeno, magro e seco de carnes mas cheio de genica e duro nas suas
proclamações, não sendo muito estimado pela população que o considerava por
vezes injusto e demasiado ríspido, com uma moral exigente que muitos diziam não
aplicar à sua conduta privada.
Mas a sua pergunta era
pertinente: o papada estava dividido por um cisma e havia quem tomasse já
partido por Anacleto contra Inocêncio II, sendo uma das principais razões
invocadas o excessivo apoio que este último dava aos monges apostólicos.
Toledo e Compostela estão a
alinhar contra Inocêncio II! Um mosteiro “apostólico” em Coimbra vai erguer
contra nós a ira dos leoneses! Afonso VII, vosso primo, apoia Anacleto.
Quereis que o Anti-Papa
obrigue Coimbra a uma nefasta submissão a Toledo?
Francês e antigo cónego da
Sé, Bernardo fora nomeado bispo de Coimbra com um propósito: resistir aos
desejos permanentes de hegemonia de Compostela e de Toledo.
Ora, estando Anacleto em
vias de vencer o cisma católico, o mosteiro apostólico apoiado por Afonso
Henriques seria uma imprudência infantil!
- Inocêncio II não vai
perder o Papado – contrapôs meu tio Ermígio.
Fosse como fosse, alegou o
inflamado bispo, melhor seria que esperassem pela resolução do cisma! Se
Inocêncio acabasse por vencer a luta contra o Antipapa Anacleto, o mosteiro
poderia então ser erguido, pois já não representaria um perigo para Coimbra.
Não voltarei com a minha
palavra atrás – afirmou o príncipe.
A doação estava feita, o
documento assinado, diziam-lhe pouco as subtilezas da crise em Roma. Se Anacleto
vencesse e Toledo nos qui sesse
prejudicar, cá estaríamos para lutar pelas nossas justas pretensões.
Confrontado com esta
firmeza, o bispo Bernardo lançou umas palavras finais reveladoras do seu mau
perder:
- Uma guerra com Toledo e com Roma, só para
teres uma sela? Que tremenda tolice, sois um rapazola!
O meu melhor amigo virou
costas ao bispo sem lhe ripostar, o que levou meu tio Ermígio, já nos degraus
exteriores da Sé, a gabar-lhe a serenidade.
Aproximando-se da sua
montada, Afonso Henriques limitou-se a olhar para a bonita sela e a exclamar:
- Agora só me falta um cavalo decente!
Era uma das suas queixas
recorrentes, estava sempre insatisfeito com os animais que cavalgava, que
pareciam não ser capazes de o carregar.
O meu melhor amigo era um
gigante e quando embainhava a espada de seu pai, que só ele conseguia erguer,
juntando ao escudo com que se armara cavaleiro em Zamora, o peso em conjunto
era quase insuportável para os cavalos.
Tendes razão, esta pileca
não vos serve – afirmou Gonçalo.
Entretidos com o novo tema,
esquecemos prontamente a polémica com o bispo Bernardo e as implicações do
longínquo cisma de Roma.
Foi um erro grave, que no
futuro nos iria sair bastante caro.
Os inimigos do ainda
nascente reino de Portugal eram muito mais numerosos e poderosos do que
pensávamos naqueles dias.
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