quarta-feira, setembro 28, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 94



















O bastardo de Paio Soares manteve-se mudo e siderado. Recordei-me das suas aflições do passado, na presença do pai ou de Chamoa e admiti que as antigas fragilidades estavam de volta, pois a sua palidez indiciava a possibilidade de tombar à nossa frente.

O príncipe deve ter temido o mesmo pois questionou Ramiro, com uma ponta de malícia na voz:

 - Ides desmaiar?

Ouviram-se os risos de Peres Cativo, que desprezava o jovem templário. Mas o simpático Pêro Pais estendeu-lhe a mão, dizendo:

 - Minha mãe falou-me de vós.

Numa criança tão nova era impossível haver naquela frase ironia ou maldade. Pêro Pais relatava apenas uma verdade límpida e simples: Chamoa falara-lhe de Ramiro, seu meio - irmão mais velho, filho de Paio Soares e de uma outra mulher, um bastardo, é certo, mas do mesmo sangue que ele.

Porém, no desconfiado Ramiro, a frase do meio-irmão teve o condão de lhe agravar uma dor silenciosa, como ele revelou depois ao bispo Bernardo.

- Que dissera Chamoa ao miúdo? – Que eles tinham sido amigos? – Que Paio Soares, pai de ambos, humilhava Ramiro em criança? – Que se casara com Chamoa, adorada pelo seu bastardo? – Que este fugira da Viseu depois de admitir matar-se? – Que desmaiava sempre que a via? – Que também odiava Afonso Henriques por este lhe ter disputado Chamoa? – Sim, o que lhe dissera aquela mulher desvairada que dormia com vários homens? – Gozara Ramiro, escarnecendo dele em frente do irmão, o primogénito que ia herdar tudo, enquanto ele, um infanção bastardo, nada teria?

Pai, porque me enviais este teu filho e meu irmão?

Era assim, tortuosa, que funcionava a mente de Ramiro, mas da sua boca não saíra ainda uma única palavra.

- Não o cumprimentais? – perguntou Afonso Henriques.

O templário engoliu em seco e balbuciou:

- Vossa mãe está bem?

Pêro Pais, primeiro sorriu-lhe, agradado com o que julgava ser uma preocupação genuína. Depois, colocou um ar sério e contou que Chamoa se encontrava prisioneira em Tui, no castelo do pai dela.

- Fernão Peres pôs um facínora a vigiá-la dia e noite.

Paio Guterres, que ajudara o menino a fugir, revelou que o vigilante da minha cunhada era um antigo templário de Soure.

Com uma ténue hostilidade, enfrentou Ramiro e o Rato e afirmou:

 - Deveis conhecê-lo. Chamam-lhe Celho.

Se Ramiro estava embasbacado, mais ficou. Incrédulo, negou que tal pudesse ser verdade, secundado pelo Rato, alegando ambos que o Velho, por estar doente se retirara da Ordem para morrer em paz!

O transtorno dos dois templários foi enorme, quando perceberam que haviam sido enganados. O Velho, não só era um traidor que sempre trabalhara para o Trava, como lhe entregara o antigo punhal de Paio Soares! O espanto de Ramiro e do Rato multiplicou-se, a profundidade da fraude daquele magistral embusteiro era dolorosa para os seus antigos colegas.

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