terça-feira, setembro 20, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)



Episódio Nº 88



















A minha prima sorriu, condescendente. A bruxa tinha a mania das coincidências cósmicas, mesmo ferida e doente continuava convencida de que era uma vidente iluminada.

De qualquer forma, aquela mulher quase centenária era o único ser humano por quem sentia simpatia.

- O mundo dá-nos sofrimentos, Raimunda, mas também coisas boas – afirmou Sohba, cujos olhos brilhavam com uma torturada alegria.


Quando soube destas conversas, lembrei-me de que Zaida costumava sempre dizer que a bruxa é que nos ligou a todos. Assim foi, mais uma vez. Sohba trouxe a minha prima Raimunda, miraculosamente ressuscitada e absolutamente furiosa, de volta ao nosso universo portucalense, para mal dos nossos pecados.


Soure, Outubro de 1133


A animosidade que Ramiro sempre sentira pelo almocreve Mem ganhou um ímpeto novo por razões impuras. Assim é muitas vezes na vida, as acções dos seres humanos são mais comandadas pelo ciúme ou pelo ódio do que por nobres sentimentos.

É preciso dizer que Mem nada fez para que tal acontecesse. Prometera a Sohba não revelar a toca obscura onde esta se enfiara e assim fez.

Quando, certa tarde outonal, passou por Soure, no seu regresso de Lisboa e depois de ter comerciado em Santarém, evitou cruzar-se com Ramiro, tendo apenas vendido umas carnes e umas frutas ao pároco Martinho.

E já estava em cima da carroça, pronto para partir, quando um afogueado Ramiro chegou a correr.

Haveis estado em Santarém e falado com Zakaria?

Mem respondeu afirmativamente à primeira parte da questão, negando a segunda.

Homem avisado, bico calado.

Em Santarém, o convívio com os locais permitira a Mem saber que as principais famílias da cidade haviam convencido Zakaria a não atacar os cristãos.

O cordovês já era governador, mas, embora fosse um herói do povo, ainda não dominava os influentes.

 - Zakaria tem a relíquia? – inquiriu Ramiro.

O almocreve respondeu o que sabia:

 - Não.

Mesmo assim, Ramiro indignou-se:

-  O s infiéis não lhe podem deitar a mão!

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