(Domingos Amaral)
Episódio Nº 88
A minha prima sorriu,
condescendente. A bruxa tinha a mania das coincidências cósmicas, mesmo ferida
e doente continuava convencida de que era uma vidente iluminada.
De qualquer forma, aquela
mulher quase centenária era o único ser humano por quem sentia simpatia.
- O mundo dá-nos sofrimentos,
Raimunda, mas também coisas boas – afirmou Sohba, cujos olhos brilhavam com uma
torturada alegria.
Quando soube destas
conversas, lembrei-me de que Zaida costumava sempre dizer que a bruxa é que nos ligou a todos. Assim
foi, mais uma vez. Sohba trouxe a minha prima Raimunda, miraculosamente
ressuscitada e absolutamente furiosa, de volta ao nosso universo portucalense,
para mal dos nossos pecados.
Soure, Outubro de 1133
A animosidade que Ramiro
sempre sentira pelo almocreve Mem ganhou um ímpeto novo por razões impuras.
Assim é muitas vezes na vida, as acções dos seres humanos são mais comandadas
pelo ciúme ou pelo ódio do que por nobres sentimentos.
É preciso dizer que Mem nada
fez para que tal acontecesse. Prometera a Sohba não revelar a toca obscura onde
esta se enfiara e assim fez.
Quando, certa tarde outonal,
passou por Soure, no seu regresso de Lisboa e depois de ter comerciado em
Santarém, evitou cruzar-se com Ramiro, tendo apenas vendido umas carnes e umas
frutas ao pároco Martinho.
E já estava em cima da
carroça, pronto para partir, quando um afogueado Ramiro chegou a correr.
Haveis estado em Santarém e
falado com Zakaria?
Mem respondeu
afirmativamente à primeira parte da questão, negando a segunda.
Homem avisado, bico calado.
Em Santarém, o convívio com
os locais permitira a Mem saber que as principais famílias da cidade haviam
convencido Zakaria a não atacar os cristãos.
O cordovês já era
governador, mas, embora fosse um herói do povo, ainda não dominava os
influentes.
- Zakaria tem a relíqui a?
– inqui riu Ramiro.
O almocreve respondeu o que
sabia:
- Não.
Mesmo assim, Ramiro
indignou-se:
- O s infiéis não lhe podem deitar a mão!
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