terça-feira, outubro 18, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 98


















Por diversas vezes já me dera conta de que aquele era um animal demasiado nervoso. Os seus ouvidos tinham dificuldade em suportar o barulho do acampamento quanto mais a berraria de uma batalha.

Atordoado e instável, o cavalo do príncipe rendeu-se às evidências. Não fora feito para participar em combates e pela primeira vez recusou uma ordem de Afonso Henriques. Vi o meu melhor amigo furioso, esporeando o animal, um exercício inútil, pois este exibia uma patética recusa em prosseguir.

Decidido a parar por ali, baixou-se e sentou-se na lama, enfurecendo o príncipe, que lhe gritava desesperado, enquanto os soldados o olhavam desconfiados com as suas capacidades de comando.

Este absurdo espectáculo hípico, alem de alienar a concentração do príncipe, revelou-se também danoso para a nossa linha da frente.

Tendo visto Afonso Henriques recuar, muitos cavaleiros –vilões, sobretudo os que estavam longe, julgaram que era essa a intenção e desataram também a fazê-lo.

O movimento, como seria de esperar, ainda agravou mais a confusão junto à margem. Desanimado, mas lúcido, apercebi-me de que nada podia fazer, a não ser reconhecer uma humilhante derrota e promover uma retirada ordeira.

Acerquei-me de Peres Cativo e ambos concordámos que o ataque estava condenado ao insucesso, mas o alferes alertou-me para o perigo de um recuo precipitado e demasiado rápido.

À medida que os nossos diminuíssem na margem, os que ficavam tornavam-se presa fácil para os soldados do Trava. Podemos perder mais de seiscentos homens – alertou Peres Cativo.

Passei os olhos pelo combate e depois perguntei:

 - Pensais o mesmo do que eu?

O alferes acenou com a cabeça: a nossa única hipótese era propor uma trégua, admitindo o fracasso, mas forçando o trava a suspender os seus ataques enquanto saiamos dali.

Embora fosse uma solução viável, vendê-la ao príncipe era tarefa hercúlea, pois todos conhecíamos em mostrar-se vencido.

Prestei-me a ir dizer-lhe o que decidíramos e, para minha grande surpresa, Afonso Henriques que estava junto ao cavalo sentado, deu o seu acordo.

Desconsolado, com a espada do pai na mão, mas sem saber o que fazer com ela, olhou para a sua bela besta castanha, nascida nos topos das Astúrias e afirmou:

 - Que animal doido, perde o tino na confusão.


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