sexta-feira, outubro 21, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)



Episódio Nº 100




















Entalado entre os portucalenses, os galegos e os leoneses, habituara-se a dobrar a cerviz, pois as suas curtas forças contra quem o invadia com regularidade. Dona Urraca, Dona Teresa ou o arcebispo Gelmires tinham massacrado o orgulho e as terras daquele nobre no passado, e a geração seguinte, de Afonso VII, do Trava, de Afonso Henriques, repetia o padrão anterior.

Com o passar dos anos, habituei-me a compreender o meu sogro. Apesar de tudo, o seu apurado instinto de sobrevivência permitia manter a família intacta e aquele castelo de pé.

O pai de Chamoa submetia-se sempre que o julgava necessário, como era mais uma vez no presente. O Trava, seu cunhado, é que dava ordens, preparava as defesas e mantinha o moral dos homens, enquanto o meu sogro se limitava a afagar os netos e a aturar as fúrias da esposa, Elvira Peres de Trava, que culpava Chamoa por aquela inútil guerra.

Lá está ela, no alto da torre de menagem, à espera do maldito Afonso Henriques – resmungava a antipática matrona.

Mem Tougues, que também se encontrava em Tui, continuava apostado em reconquistar Chamoa, e no presente a sua prioridade era amansar a sua futura sogra, gabando os seus épicos cozinhados, para logo depois se aproximar daquele que queria para sogro, revelando-lhe as últimas decisões, numa tentativa sabuja de cumplicidade que permitia a Gomes Nunes ficar a saber que os novos planos do Trava não se resumiam à defesa de Tui, incluindo, igualmente o envio do Velho para Sllium.

O templário traidor cuja função em Tui se resumia a não perder de vista Chamoa, partiu subitamente da cidade na manhã da véspera do nosso ataque, pois o Trava considerava aquele o momento certo para se apoderar da relíquia.

Animado, o tolo Tougues, bufou de imediato a habilidosa manobra a Gomes Nunes e este correu de pronto à torre de menagem para informar a sua bela filha. Desde a partida de Pêro Pais que Chamoa subia todos os dias ao topo da torre, mas só naquela manhã o seu coração rejubilou.

Ao saber da viagem do Velho exclamou em êxtase:

 - Vou fugir hoje mesmo.

Alarmado, Gomes Nunes tentou demovê-la de tal ousadia, dizendo-lhe que Elvira Peres de Trava não hesitaria em a tramar, pois o ódio que devotava aos portucalenses não parara de crescer.

Dai-lhe vinho, meu pai – pediu Chamoa.

A minha cunhada depositava uma exagerada confiança nos poderes luxuriantes da bebida, mas o meu sogro abanou a cabeça, desolado:

 - Vossa mãe já nem com vinho lá vai...


Há anos que ele e Elvira não partilhavam a mesma cama e apenas o interesse comum da preservação de Toronho unia o casal, coisa que Chamoa já sabia.

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