(Domingos Amaral)
Episódio Nº 100
Entalado entre os
portucalenses, os galegos e os leoneses, habituara-se a dobrar a cerviz, pois
as suas curtas forças contra quem o invadia com regularidade. Dona Urraca, Dona
Teresa ou o arcebispo Gelmires tinham massacrado o orgulho e as terras daquele
nobre no passado, e a geração seguinte, de Afonso VII, do Trava, de Afonso
Henriques, repetia o padrão anterior.
Com o passar dos anos,
habituei-me a compreender o meu sogro. Apesar de tudo, o seu apurado instinto
de sobrevivência permitia manter a família intacta e aquele castelo de pé.
O pai de Chamoa submetia-se
sempre que o julgava necessário, como era mais uma vez no presente. O Trava,
seu cunhado, é que dava ordens, preparava as defesas e mantinha o moral dos
homens, enquanto o meu sogro se limitava a afagar os netos e a aturar as fúrias
da esposa, Elvira Peres de Trava, que culpava Chamoa por aquela inútil guerra.
Lá está ela, no alto da
torre de menagem, à espera do maldito Afonso Henriques – resmungava a
antipática matrona.
Mem Tougues, que também se
encontrava em Tui, continuava apostado em reconqui star
Chamoa , e no presente a sua prioridade era amansar a sua
futura sogra, gabando os seus épicos cozinhados, para logo depois se aproximar
daquele que queria para sogro, revelando-lhe as últimas decisões, numa
tentativa sabuja de cumplicidade que permitia a Gomes Nunes ficar a saber que
os novos planos do Trava não se resumiam à defesa de Tui, incluindo, igualmente
o envio do Velho para Sllium.
O templário traidor cuja
função em Tui se resumia a não perder de vista Chamoa, partiu subitamente da
cidade na manhã da véspera do nosso ataque, pois o Trava considerava aquele o
momento certo para se apoderar da relíqui a.
Animado, o tolo Tougues,
bufou de imediato a habilidosa manobra a Gomes Nunes e este correu de pronto à
torre de menagem para informar a sua bela filha. Desde a partida de Pêro Pais
que Chamoa subia todos os dias ao topo da torre, mas só naquela manhã o seu
coração rejubilou.
Ao saber da viagem do Velho
exclamou em êxtase:
- Vou fugir hoje mesmo.
Alarmado, Gomes Nunes tentou
demovê-la de tal ousadia, dizendo-lhe que Elvira Peres de Trava não hesitaria
em a tramar, pois o ódio que devotava aos portucalenses não parara de crescer.
Dai-lhe vinho, meu pai –
pediu Chamoa.
A minha cunhada depositava
uma exagerada confiança nos poderes luxuriantes da bebida, mas o meu sogro
abanou a cabeça, desolado:
- Vossa mãe já nem com vinho lá vai...
Há anos que ele e Elvira não
partilhavam a mesma cama e apenas o interesse comum da preservação de Toronho
unia o casal, coisa que Chamoa já sabia.
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