Só dura até à próxima onda... |
Felizmente,
há o Amor...
há o Amor...
Foi tudo tão rápido
que ele quase que ouviu o click. Uma expressão do olhar, um aceno de cabeça, um
sim envergonhado e ele ficou a saber que ela o amava.
Nessa noite, quando regressou a casa
e meteu a chave à porta a mão tremia-lhe de excitação, despiu-se
atabalhoadamente com os sapatos a voarem cada um para seu lado e abrindo os
braços, bem ao alto, exultante de alegria gritou eufórico: estou apaixonado!
E de seguida, uma e outra vez, em tom
mais contido, como que falando para si próprio repetia, como se fosse possível
duvidar dos seus próprios sentimentos: estou apaixonado!
Percorreu a sala de um lado para o
outro, depois o resto da casa, sem propósito nem objectivo, apenas aquela
impossibilidade de se fixar, de serenar o espírito, de travar a torrente de
energia de que estava possuído.
Nessa noite mal conseguiu conciliar o
sono e quase teve vontade de desafiar o sol para ver qual deles se levantaria
primeiro. No outro
dia iriam almoçar juntos, seria o primeiro almoço de ambos, em boa verdade
seria o primeiro almoço da sua vida.
Nunca tinha levado tanto tempo a
arranjar-se, cada fase tinha sido executada minuciosa e cuidadosamente ao
pormenor: o banho, a barba, o penteado… como era possível que todas aquelas
operações feitas mecanicamente todos os dias durante tantos anos, naquela
manhã, efectuadas com aquele rigor e solenidade, pareciam até estarem a ser
executadas pela primeira vez.
Tirou do guarda vestido o seu melhor
fato, vestiu a única camisa branca que tinha, escolheu de entre todas as
gravadas a preferida e perfumou-se com abundância com a sua melhor
água-de-colónia.
Saiu cedo e lesto para a rua, cá fora
o dia esperava-o, um dia diferente como nunca tinha visto outro, é certo que
tudo estava no lugar do costume mas a luz e o brilho do seu olhar emprestavam à
realidade o aspecto de um cenário ali colocado só para ele, o próprio passeio
por onde todos os dias encaminhava os seus passos sentia-o debaixo dos pés com
uma nuvem espessa e fofa onde se afundava para logo se erguer e se projectar
mais à frente como se vogasse em vez de andar.
Pensava naquele almoço
obsessivamente, desejava-o e temia-o. Tudo já tinha sido por ele conjecturado
com algumas dúvidas à mistura: beijá-la-ia na face ou limitar-se-ia a um
simples e afectuoso cumprimento?
Ao fim e ao cabo ainda não se
conheciam há muito tempo e estavam longe de serem íntimos e ele sabia como era
importante a primeira impressão que se deixa numa pessoa mas assim, nervoso
como estava, como se iria sair?
Ela parecia ser uma mulher segura de
si própria, confiante, quem sabe se anteriormente não teria mesmo estado
apaixonada por outro homem e aquele não fosse, para ela, o primeiro almoço?
Esta ideia não lhe agradou e pô-la de
imediato de parte, era apenas, com certeza, o resultado da ebulição em que o
seu espírito se encontrava.
Tinha toda a manhã para passear e
serenar e o ar fresco ao longo da marginal até ao restaurante onde a iria
esperar seria de certo um bom calmante.
Sentou-se no murete sobranceiro à
praia e olhou aquele mar, aquelas ondas, aquele areal que conhecia tão bem como
a sua própria casa e alongou o olhar pelo oceano até aos limites do horizonte.
Nascera naquela cidade e durante toda
a juventude aquelas areias tinham sido o seu recreio sempre que o tempo o
permitia, conhecia-lhes a textura, os avanços e recuos ao sabor das marés e as
fases de mau humor do oceano quando descarregava sobre elas a fúria das suas
indisposições.
Pressentia que a sua vida iria mudar
mas nem por isso lhe apetecia pensar no futuro, estava demasiado feliz naquele
momento para se aventurar com o pensamento para zonas do desconhecido. Se
pudesse pararia o tempo e ficaria ali a recordar todo o seu passado em estilo
de despedida.
Na qualidade de filho único vivera em
casa dos pais mais de trinta anos e só conseguiu sair debaixo dos cuidados da
mãe porque arranjara uma casa tão próxima que a sua autonomia era mais aparente
do que real.
Tinha sido, como se costuma dizer, um
bom filho, não tinha vícios, era obediente, bem comportado, bom aluno e hoje um
grande profissional na área dos computadores que passaram agora a ser a sua
segunda paixão.
Nunca fora dado a muitos namoros
talvez pela presença demasiado assídua da mãe que sempre o mimara como se os
anos não tivessem passado e o homem não se tivesse seguido ao menino.
Levantou-se repentinamente e pôs-se a
caminho com demasiada pressa para o tempo que ainda tinha à sua frente mas a
última coisa que lhe poderia acontecer seria atrasar-se e fazê-la esperar.
Quando entrou na sala do restaurante
apenas uma mesa a um canto já estava ocupada por um casal idoso que atentamente
se inteirava da Ementa.
Com todo o vagar escolheu um lugar
junto da janela de onde se via o mar e quando o empregado o abordou disse-lhe
que aguardava a chegada de uma pessoa e que, entretanto, lhe podia servir um
aperitivo.
Lentamente a sala foi-se enchendo de
clientes e o empregado acercou-se novamente e ele limitou-se a pedir mais um
aperitivo.
Pouco a pouco a sala esvaziou-se de
pessoas e sons e ele ficou sozinho, olhando absorto o último copo em cima da
mesa.
Finalmente, levantou-se com vagar,
pagou a conta, e iniciou o caminho de regresso, em passo incerto, hesitante, de
cabeça levantada e de olhar que continuava, estranhamente, vago e absorto.
De repente estacou e olhou fixamente
para um automóvel parado, encostado ao passeio, no outro lado da estrada.
Dentro do carro, sentada ao volante, a mulher por quem tinha esperado toda a
tarde, ao seu lado, um homem desconhecido.
As pernas começaram a tremer-lhe e
quando se esperava que caísse desamparado fixou o olhar no automóvel e
atravessou a estrada na sua direcção.
Os passos eram os de
um autómato mas não foram mais que três ou quatro porque ao característico
barulho de uma travagem repentina com os pneus a deixarem um lastro de borracha
agarrado no alcatrão, o som surdo e cavo de um embate contra um corpo que
volteia no ar e se estatela uns bons metros mais à frente.
Pessoas que correm, outras que param
e olham, murmúrios, queixas, gritos, protestos, desabafos, de tudo se ouve. Em
poucos minutos, ao longe a sirene da ambulância do INEM faz-se ouvir e os
mirones abrem um corredor para que os cuidados possam ser prestados.
A médica ajoelha-se junto ao corpo,
observa-o, pressiona as carótidas e depois de uns segundos, que naquelas
circunstâncias mais parecem uma eternidade, abana lentamente a cabeça e
limita-se a dizer para o enfermeiro: é cadáver.
O cadáver de um homem impecavelmente
barbeado, dentro do seu melhor fato, vestindo a sua única camisa branca que
ostentava a gravata preferida e que exalava ainda o agradável odor a uma
água-de-colónia de qualidade…o cadáver de um homem apaixonado.
O polícia de trânsito gesticula para
afastar as pessoas e entre os gritos e apitos da autoridade ouve-se uma voz
feminina que em tom baixo e resignado desabafa:
- Oh! Esqueci-me de que tinha um
encontro marcado com este homem.
Mais apitos e gestos dos polícias, a
ambulância já não se vê, os automóveis que tinham sido obrigados a parar
iniciam lentamente a marcha e dentro de poucos minutos o trânsito ficará
normalizado.
NOTA – Dizem os especialistas que, entre os homens, o amor foi "pensado" para durar três anos: o primeiro até o bebé nascer e os dois seguintes para a sua protecção nos primeiros tempos. A partir daí, a natureza desinteressa-se... cada um que cuide de si de acordo com um processo que apura os mais aptos para, mais tarde, serem eles a passar os seus genes.
O romantismo é coisa sofisticada do bicho homem. Nos restantes, preserva-se a fêmea para garantir a passagem dos nossos genes à geração seguinte o que não é fácil porque outros também a disputam e as lutas são inevitáveis, sem romantismos, apenas com a força e destreza dos músculos...
Entre nós, quando o amor acaba, sucede-lhe a amizade, o companheirismo, a protecção recíproca, mais importante do que o amor mas, sem este, a vida fica incompleta...
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