quarta-feira, outubro 05, 2016

Só dura até à próxima onda...
Felizmente,

há o Amor...






















Foi tudo tão rápido que ele quase que ouviu o click. Uma expressão do olhar, um aceno de cabeça, um sim envergonhado e ele ficou a saber que ela o amava.


Nessa noite, quando regressou a casa e meteu a chave à porta a mão tremia-lhe de excitação, despiu-se atabalhoadamente com os sapatos a voarem cada um para seu lado e abrindo os braços, bem ao alto, exultante de alegria gritou eufórico: estou apaixonado!

E de seguida, uma e outra vez, em tom mais contido, como que falando para si próprio repetia, como se fosse possível duvidar dos seus próprios sentimentos: estou apaixonado!

Percorreu a sala de um lado para o outro, depois o resto da casa, sem propósito nem objectivo, apenas aquela impossibilidade de se fixar, de serenar o espírito, de travar a torrente de energia de que estava possuído.

Nessa noite mal conseguiu conciliar o sono e quase teve vontade de desafiar o sol para ver qual deles se levantaria primeiro. No outro dia iriam almoçar juntos, seria o primeiro almoço de ambos, em boa verdade seria o primeiro almoço da sua vida.

Nunca tinha levado tanto tempo a arranjar-se, cada fase tinha sido executada minuciosa e cuidadosamente ao pormenor: o banho, a barba, o penteado… como era possível que todas aquelas operações feitas mecanicamente todos os dias durante tantos anos, naquela manhã, efectuadas com aquele rigor e solenidade, pareciam até estarem a ser executadas pela primeira vez.

Tirou do guarda vestido o seu melhor fato, vestiu a única camisa branca que tinha, escolheu de entre todas as gravadas a preferida e perfumou-se com abundância com a sua melhor água-de-colónia.

Saiu cedo e lesto para a rua, cá fora o dia esperava-o, um dia diferente como nunca tinha visto outro, é certo que tudo estava no lugar do costume mas a luz e o brilho do seu olhar emprestavam à realidade o aspecto de um cenário ali colocado só para ele, o próprio passeio por onde todos os dias encaminhava os seus passos sentia-o debaixo dos pés com uma nuvem espessa e fofa onde se afundava para logo se erguer e se projectar mais à frente como se vogasse em vez de andar.

Pensava naquele almoço obsessivamente, desejava-o e temia-o. Tudo já tinha sido por ele conjecturado com algumas dúvidas à mistura: beijá-la-ia na face ou limitar-se-ia a um simples e afectuoso cumprimento?

Ao fim e ao cabo ainda não se conheciam há muito tempo e estavam longe de serem íntimos e ele sabia como era importante a primeira impressão que se deixa numa pessoa mas assim, nervoso como estava, como se iria sair?

Ela parecia ser uma mulher segura de si própria, confiante, quem sabe se anteriormente não teria mesmo estado apaixonada por outro homem e aquele não fosse, para ela, o primeiro almoço?

Esta ideia não lhe agradou e pô-la de imediato de parte, era apenas, com certeza, o resultado da ebulição em que o seu espírito se encontrava.

Tinha toda a manhã para passear e serenar e o ar fresco ao longo da marginal até ao restaurante onde a iria esperar seria de certo um bom calmante.

Sentou-se no murete sobranceiro à praia e olhou aquele mar, aquelas ondas, aquele areal que conhecia tão bem como a sua própria casa e alongou o olhar pelo oceano até aos limites do horizonte.

Nascera naquela cidade e durante toda a juventude aquelas areias tinham sido o seu recreio sempre que o tempo o permitia, conhecia-lhes a textura, os avanços e recuos ao sabor das marés e as fases de mau humor do oceano quando descarregava sobre elas a fúria das suas indisposições.

Pressentia que a sua vida iria mudar mas nem por isso lhe apetecia pensar no futuro, estava demasiado feliz naquele momento para se aventurar com o pensamento para zonas do desconhecido. Se pudesse pararia o tempo e ficaria ali a recordar todo o seu passado em estilo de despedida.

Na qualidade de filho único vivera em casa dos pais mais de trinta anos e só conseguiu sair debaixo dos cuidados da mãe porque arranjara uma casa tão próxima que a sua autonomia era mais aparente do que real.

Tinha sido, como se costuma dizer, um bom filho, não tinha vícios, era obediente, bem comportado, bom aluno e hoje um grande profissional na área dos computadores que passaram agora a ser a sua segunda paixão.

Nunca fora dado a muitos namoros talvez pela presença demasiado assídua da mãe que sempre o mimara como se os anos não tivessem passado e o homem não se tivesse seguido ao menino.

Levantou-se repentinamente e pôs-se a caminho com demasiada pressa para o tempo que ainda tinha à sua frente mas a última coisa que lhe poderia acontecer seria atrasar-se e fazê-la esperar.

Quando entrou na sala do restaurante apenas uma mesa a um canto já estava ocupada por um casal idoso que atentamente se inteirava da Ementa.

Com todo o vagar escolheu um lugar junto da janela de onde se via o mar e quando o empregado o abordou disse-lhe que aguardava a chegada de uma pessoa e que, entretanto, lhe podia servir um aperitivo.

Lentamente a sala foi-se enchendo de clientes e o empregado acercou-se novamente e ele limitou-se a pedir mais um aperitivo.

Pouco a pouco a sala esvaziou-se de pessoas e sons e ele ficou sozinho, olhando absorto o último copo em cima da mesa.

Finalmente, levantou-se com vagar, pagou a conta, e iniciou o caminho de regresso, em passo incerto, hesitante, de cabeça levantada e de olhar que continuava, estranhamente, vago e absorto.

De repente estacou e olhou fixamente para um automóvel parado, encostado ao passeio, no outro lado da estrada. Dentro do carro, sentada ao volante, a mulher por quem tinha esperado toda a tarde, ao seu lado, um homem desconhecido.

As pernas começaram a tremer-lhe e quando se esperava que caísse desamparado fixou o olhar no automóvel e atravessou a estrada na sua direcção.


Os passos eram os de um autómato mas não foram mais que três ou quatro porque ao característico barulho de uma travagem repentina com os pneus a deixarem um lastro de borracha agarrado no alcatrão, o som surdo e cavo de um embate contra um corpo que volteia no ar e se estatela uns bons metros mais à frente.


Pessoas que correm, outras que param e olham, murmúrios, queixas, gritos, protestos, desabafos, de tudo se ouve. Em poucos minutos, ao longe a sirene da ambulância do INEM faz-se ouvir e os mirones abrem um corredor para que os cuidados possam ser prestados.

A médica ajoelha-se junto ao corpo, observa-o, pressiona as carótidas e depois de uns segundos, que naquelas circunstâncias mais parecem uma eternidade, abana lentamente a cabeça e limita-se a dizer para o enfermeiro: é cadáver.

O cadáver de um homem impecavelmente barbeado, dentro do seu melhor fato, vestindo a sua única camisa branca que ostentava a gravata preferida e que exalava ainda o agradável odor a uma água-de-colónia de qualidade…o cadáver de um homem apaixonado.

O polícia de trânsito gesticula para afastar as pessoas e entre os gritos e apitos da autoridade ouve-se uma voz feminina que em tom baixo e resignado desabafa:

- Oh! Esqueci-me de que tinha um encontro marcado com este homem.

Mais apitos e gestos dos polícias, a ambulância já não se vê, os automóveis que tinham sido obrigados a parar iniciam lentamente a marcha e dentro de poucos minutos o trânsito ficará normalizado.

NOTADizem os especialistas que, entre os homens, o amor foi "pensado" para durar três anos: o primeiro até o bebé nascer e os dois seguintes para a sua protecção nos primeiros tempos. A partir daí, a natureza desinteressa-se... cada um que cuide de si de acordo com um processo que apura os mais aptos para, mais tarde, serem eles a passar os seus genes.

O romantismo é coisa sofisticada do bicho homem. Nos restantes, preserva-se a fêmea para garantir a passagem dos nossos genes à geração seguinte o que não é fácil porque outros também a disputam e as lutas são inevitáveis, sem romantismos, apenas com a força e destreza dos músculos...

Entre nós, quando o amor acaba, sucede-lhe a amizade, o companheirismo, a protecção recíproca, mais importante do que o amor mas, sem este, a vida fica incompleta...

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