- Um tiro fora do alvo
A comediante americana Cathy Ladman observou que “todas as religiões são iguais: religião
é, basicamente, sentimento de culpa com feriados diferentes”.
Não é crível que o motivo pelo qual temos religião seja porque
ela reduzia os níveis de stress dos nossos antepassados.
A religião é um fenómeno vasto que carece de uma teoria vasta
para o explicar.
Outras teorias de que “a religião satisfaz a nossa curiosidade
sobre o universo e o nosso lugar nele” ou “a religião é consoladora” não são
explicações darwinianas embora possa haver nelas alguma verdade psicológica.
Steven Pinker dizia, relativamente à teoria do “consolo”,
“porque há-de uma mente evoluir para encontrar consolo em crenças que
claramente se sabe que são falsas?”
Mas para os cientistas darwinianos o que interessa é encontrar
as causas profundas ou seja, qual a pressão da selecção natural que favoreceu
tal ocorrência.
Suponhamos que os neurologistas descobrem no cérebro um
“centro-deus”, então é preciso saber a
razão pela qual os nossos antepassados com uma tendência genética para
desenvolver nos seus cérebros esse “centro-deus” sobreviveram de maneira a
terem mais netos do que os outros que não a tinham.
Tão pouco os darwinianos se dão por satisfeitos com explicações
de natureza política, do género: “a religião é uma ferramenta usada pela classe
dirigente para subjugar as classes inferiores”.
É verdade que consolava os escravos negros da América com
promessas de outra vida, o que lhes embotava o descontentamento com a vida
deste mundo e beneficiava, assim, os seus donos.
Se as religiões são deliberadamente criadas por sacerdotes
cínicos ou por governantes, é uma questão interessante à qual os historiadores
devem prestar atenção, mas não é uma questão darwiniana.
O investigador darwiniano quer saber por que razão as pessoas
são vulneráveis aos encantos da religião expondo-se, desse modo, à exploração
de sacerdotes, políticos e reis.
A Religião como um Sub-Produto de outra coisa
Numa perspectiva darwiniana, Richard Dawkins vê a religião, cada
vez mais, como um sub-produto de outra coisa como, de resto, um número
crescente de biólogos.
Para explicar esta ideia o autor socorre-se de um exemplo
concreto que tem a ver com a traça uma vez que ele próprio é um especialista
nesta área.
Este animal voa em direcção à chama da vela e isso não parece
acontecer por acaso. De propósito, elas fazem desvios no voo para se oferecerem
em sacrifício numa auto-imolação e a pergunta que fazemos é esta:
- Como diabo pode a selecção natural favorecer um
comportamento destes?
Não, a selecção natural não favoreceu este comportamento que não
passa, afinal de um sub produto do verdadeiro comportamento, esse sim, ditado
pela selecção natural.
A luz artificial das velas é coisa recente nas noites que eram
apenas iluminadas pela lua e pelas estrelas. Essas fontes de luz estão no
infinito ópt ico pelo que os raios
delas nos chegam paralelos.
Por esta razão, os insectos podem seguir estes raios para se
deslocarem em linha recta e encontrarem o caminho de casa mas, se estes raios
não forem paralelos e antes divergirem como os raios de uma roda e, se os
seguirmos, iremos dar ao eixo da roda ou seja, á chama da vela.
Um comportamento fatal nestas circunstâncias decorre de uma
regra boa que leva as traças, no silêncio das noites, seguindo a luz da lua e
das estrelas até à sua casa que é o que acontece na esmagadora maioria das
vezes e acontecia sempre antes do aparecimento das luzes artificiais.
Deixemos agora as borboletas das traças uma vez que elas já
desempenharam nesta problemática o seu papel exemplificativo do que é um
comportamento sub produto – tiro fora do alvo - do verdadeiro e correcto
comportamento que se desenvolveu com base na selecção natural.
Centremo-nos nas crianças. É sabido que nós sobrevivemos, mais
do que qualquer outra espécie, por experiências acumuladas pelas gerações
anteriores, experiências essas que têm de ser transmitidas às crianças para a
sua protecção e bem-estar.
Em teoria, as crianças também podem aprender através da sua
experiência, à sua custa como se costuma dizer, a não se aproximarem dos
penhascos, a não comerem bagas vermelhas desconhecidas, a não nadarem em águas
infestadas de crocodilos mas, dessa forma, quantas não teriam sido sacrificadas
sem chegarem a ter tempo para se reproduzirem?
Assim, constitui uma vantagem selectiva as crianças dotadas de
um cérebro que contiver a simples regra prática:
- “Acredita sem hesitações em tudo o que os adultos te
digam. Obedece aos teus pais, obedece aos chefes da tribo, sobretudo quando
eles te falarem num tom grave e ameaçador, confia nos mais velhos sem
contestar”.
Mas, tal como no caso das traças, pode dar mau resultado...
porque um dia dizem à criança - “tens de sacrificar
uma cabra durante a lua cheia senão a chuva não vem” e ela acredita porque não
sabe distinguir os bons conselhos, ... “não te metas no Limpopo que está
infestado de crocodilos” dos maus ou inúteis de “matar a cabra durante a lua
cheia para vir a chuva...”.
O subproduto inevitável é a vulnerabilidade à infecção pelo
vírus da mente.
A selecção natural para a sobrevivência apenas ensinou que
os cérebros das crianças precisam de acreditar nos pais e nos mais velhos de
tal forma que aquele que acredita não tem forma de distinguir os bons dos maus
conselhos pela mesma razão que a borboleta da traça não sabe que aquele raio de
luz a levará à morte e não a casa... ela só sabe que tem de seguir o raio de
luz da mesma maneira que a criança sabe que tem de acreditar e obedecer.
Ambos os avisos, o da cabra e o dos crocodilos, aos ouvidas da
criança parecem igualmente dignos de confiança pois ambos provêm de uma fonte
respeitável e são proferidos com grave seriedade que inspira respeito e exige
obediência.
E quando a criança crescer e tiver filhos seus, ela irá
transmitir-lhes tudo – quer o bom senso quer o disparate – com toda a
naturalidade, usando o mesmo ar grave e contagiante.
Ao longo das gerações, como o acreditar e obedecer se traduziram
numa vantagem para a sobrevivência e procriação, a nossa espécie foi evoluindo
para uma sociedade de crentes.
Os líderes religiosos estão conscientes da vulnerabilidade do
cérebro das crianças e da importância desta ser doutrinada em tenra idade.
Já dizia o Jesuíta: - “... dai-me a criança durante os seus
primeiros sete anos e eu dar-vos-ei o homem”.
- Por que se morre de amor?
- Por que se mata por ciúme?
- Por que se mata por Deus?
Definitivamente, o nosso cérebro está cheio de armadilhas... e
já agora, obrigado às traças e ao Richard Dawkins.
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