3º episódio
Todavia, ela tem razão. Minhas visitas são para lhe caçar um
descuido na existência, beliscar-lhe uma ternura. Só sonho sempre o mesmo. Me embrulhar
com ela, arrastado por essa grande onda que nos faz inexistir.
Ela resiste, mas eu volto sempre ao lugar dela.
- Dona Luarmina, o que é isso? Parece ficou mesmo freira. Um dia,
quando o amor lhe chegar, você nem o vai reconhecer...
- Deixe-me Zeca. Eu sou
velha, só preciso ter um ombro.
Confirmando esse atestado de inutensílio, ela esfrega os joelhos
como se fossem eles os culpados do seu cansaço. As pernas dela, da maneira como
incham, dificultam as vias do sangue. Lhe icebergam os pés, a gente toca e são
blocos de gelo. E ela sempre se queixa. Um dia aproveitei para me oferecer:
- Quer que lhe aqueça
os pés?
Arrepiando expectativa, ela até aceitou. Até eu fiquei assim, meio
desfisgado, o coração atropelando o peito.
- Me aquece, Zeca?
- Sim, aqueço mas...
pela parte de dentro.
Tentava um deslize na defesa dela. Mas levei tampa. Eu estava como
essoutro que foi lavar a mão e sujou o sabão. Ou aquele que queria acertar a
unha e cortou o dedo.
Com esta minha idade eu já devia conhecer os devidos
procedimentos, as delicadas tácticas de abordagem. Mas não. Meu falecido avô
sempre dizia:
- Em novos só nos ensinam o que não serve. Em
velhos só aprendemos o que não presta.
Mas é pena eu e a vizinha não nos simetricarmos. Porque ambos
somos semiviúvos: nunca tivemos companheiro, mas esse parceiro, mesmo assim,
desapareceu.
Sou mais novo que ela, mas já estamos ambos na encosta de lá em
que a vida só mexe quando é a descer.
Hoje sei como se mede a verdadeira idade: vamos ficando velhos
quando não fazemos novos amigos. Estamos morrendo a partir do momento em não
mais nos apaixonamos.
E até que Dona Luarmina, aliás Albertina da Conceição Melistopolous,
já foi bela de espantar a homenzarrada.
Sei isso porque testemunhei um flagrante dessa formosura dela. Foi
uma certa vez que não fiquei só na varanda. Entrei em sua casa, sentei na saka
grande com janela para o mar. Foi então que eu vi a fotografia. Era de uma moça
de espantável beleza, corpo de aguar as mais mornas bocas.
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