( Episódio nº 5 )
- Esse meu
filho Agualberto, cabisburro como é, meteu-se no mundo dos brancos, nem
abençoou o barco dele. Abandonou os antepassados? Castigo é esse.
Insisto com Dona Luarmina, ela não me peça
lembranças. Eu quero matar o passado, essa mulher tem que me deixar cometer
esse crime. Caso senão é o passado que me mata a mim.
- Você, Zeca, tem raiva do passado, tem ciúme
do futuro: vai viver só nos agoras?
Reformado das pescas, nem no presente tenho
cabimento. Enquanto andava no mar, embalado em meu barco, eu não sofria o
tempo. Porque essa ondeação era, afinal, uma dança. E a dança, já disse, é
melhor maneira de fugir do tempo.
- Venha
dançar Doninha...
- Dançar,
eu, com este corpo?
Ela ri, envergonhada. Mas Luarmina não sabe: os
que dançam ficam sem corpo. Esperta é a árvore que não mexe e dança a sombra dela
no planeta inteiro.
- Dona Luarmina
não se lembra a Maria Bailarinha?
E recordei essa moça do bairro, uma ajunta –
brasas. Dançava que dava tontura no mundo, a homenzoada ficava zarolha do miolo.
Os pés dela, todos descaloços, machucavam o chão, eram os pés de pilão mas nem
poeira levantavam: a terra comovida parecia aprazida desse batimento.
Maria Bailarinha dançava a pedido e a moeda. Lhe
atiravam os dinheiros e ela, de imediato, deflagrava seu corpo. Mesmo o padre
Jacinto Nunes comentava baixinho para a sua batina:
- Até Arqui medes
havia de flutuar, Santo Deus me valha!
Aconteceu que, uma noite, ao roçar junto da
fogueira, a capulana da dançarina se fez em chama. Maria
Bailarinha não parou de dançar. O povo começou a gritar em aviso. O fogo em redor
das vestes se adensou e ela não se detinha nem deixava que ninguém se chegasse.
Estava possuída pela vertigem, dançava já com a
própria morte. Até que estancou, semelhando estar intacta e inteira. Quando a
primeira mão lhe tocou ela se desfez em cinza, poeirinha esvoando na brisa.
- Lembra a Maria Bailarinha?
Nada. Luarmina não responde. Terá sequer me
escutado? Não há modo nem maneira. Dona vizinha desconfia de desventuras dos
outros.
Só lhe interessa as antiguidades de que fiz
parte. E eu, para subterfugir, aldrabo umas lembranças, desenrasco uns
pensamentos. Até um dia lhe perguntei:
- Porque
só minhas lembranças, as pessoais?
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