quarta-feira, fevereiro 01, 2017

Mar me quer
(Episódio Nº 6)
















A vizinha não respondeu. Antes, retrucou assim:

- Bom, se lhe custa, então, não me conte uns sonhos...

Mas eu que nunca me lembro dos sonhos que me visitam enquanto durmo! É que temos horários diferentes: eu e o sonho.

E aviso:

- Hão-de ser sonhos falsificados...

 - Não importa.

E teimei. Até porque trás má sorte recordar quem nos visitou durante o sono. Assim, eu iria dar umas demãos de invenção nos meus relatos. Quando não somos nós a inventar o sonho é ele que nos inventa a nós.


- Não faz mal Zeca Perpétuo. Eu até podia pagar para alguém me contar os sonhos.
Riu-se, em esboço. Mas esta era só tristeza molhada. Depois deixei minha vizinha em seu assento e fui regressando, em passo lento, a minha casa. Luarmina se entranhou na sua pequena mania, como se descosturasse um pano nenhum:

- Mar me quer, bem me quer...

Este era o cantochão de Luarmina, o infindo rameramejar dela. Todos fins de tarde, a mulata fica sentada num degrau da varanda e vai desfolhando infinitas flores.

Ao fim de um tempo, todo o pátio está forrado a pétalas, o chão espantado a mil cores.


                        Segundo Capítulo



Lançamos o barco, sonhamos a viagem. Quem viaja é sempre o mar.
(Dito do meu avô Celestino)


Site Meter