(Mia Couto)
Episódio Nº 18
O povo se juntava para tirar proveito
daquela visão. Ainda hoje me custa lembrar quanto eu me insujeitava a tais
vexames.
A mulher andava a brincar ao gato sem
rato? Que deveria eu fazer? Me deixei ficar qui eto
sentado em sombra sempre fingindo certificar-me do estado do mar, a ver se a
cabeça carregava uma ideia.
Um feio dia me chegou a direcção. Eu lhe
devia seguir, sem que ninguém notasse. Organizei assim: aldrabei o calendário.
Arranjei um de um ano muito transacto, afixei ali nas vistas da parede da cozinha.
Henriqui nha, nessa manhã, me inqui riu o dia que era.
- Não sei, mulher. Veja no
calendário.
Ela espreitou. A voz, admirada, chegou-me ao quarto:
- Afinal, hoje é Domingo?
No princípio, ela insistiu que havia engano. Não podia
ser domingo. É, respondi eu, os domingos são assim, são iguais aos dias da
semana mas só que de gravata. É verdade, Henriqui nha,
a gente nem dá pela semana e já estamos numa outra.
Que vida esta, de pescador, que não tem dias nem marés!
E mais isto, menos aqui lo. Falei
muito para a distrair.
- Ainda você tem sorte, Henriqui nha. Seu tempo começa sempre a horas certas,
levanta e põe, deita e acorda. Agora, para mim, o meu sol é o mar. Sabe-se lá o
quando dele?
Henriqui nha
parecia nem ouvir. Foi ao guarda-fato e retirou o cerimonioso vestido negro.
- Vai sair?
- Esqueceu-se que nos domingos sempre
cumpro obrigação de Deus?
Cá dentro, sorri. Ela tinha caído. Ainda me ocorreu,
por instante, um peso de culpa. Ainda pensei em desarmadilhar o momento. Mas a
alma foi-me mais forte que o sentimento. E lá fui atrás da mulher, em cuidadosa
perseguição, atrás de muro, moita, arbusto. Até que chegamos ao barranco de
terra vermelha.
Henriqui nha
parou-se no limiar onde o abismo se despenha até à praia, bem junto à rebentação.
Fiquei espreitando.
Àquela hora não havia ninguém. Talvez porque não era
domingo, ninguém esperava o espectáculo dela àquele dia.
Henriqui nha,
então, começou-se a ondear parecia uma dança, em baixo de uma música que só ela
escutava. De costas para mim, ela rebolinhava-se de prazer, como se uma invisível
chuvinha tombasse sobre ela.
Começou a puxar o vestido até meio do corpo, a cintura
dela espreitava entre a luz e as mãos. Depois foi afastando os panos que lhe
cobriam. Cada veste caía no chão parecia folha morta tombando na minha
surpresa.
Me veio, então, junto com a raiva, um baboso desejo
daquela mulher. Como se nunca lhe tivesse visto nem tocado, como se ela fosse
mulher inatingível. Ainda pensei: vou lá, me despenteio com ela, desato um
namoro de afiar carne.
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