sexta-feira, janeiro 27, 2012

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA



Episódio Nº 7


Quando os homens, em busca de fortuna, atiraram-se às matas e disputaram, na boca das repetições e das Parabellum, a posse de cada palmo de terra. Quando os Badarós, os Oliveiras, os Brás Damásio, os Teodoros das Baraúnas, outros muitos, atravessavam os caminhos, abriam picadas, à frente dos jagunços e os pés de cacau plantados sobre cadáveres e sangue.

Quando o caxixe reinou, a justiça posta ao serviço dos interesses dos conquistadores de terra, quando grande árvore escondia um atirador na tocaia esperando sua vítima. Era esse passado que ainda estava presente em detalhes da vida da cidade e nos hábitos do povo. Desaparecendo aos poucos, cedendo lugar às inovações, a recentes costumes. Mas não sem resistência, sobretudo no que se referia a hábitos, transformados pelo tempo quase em leis.

Um desses homens apegados ao passado, olhando com desconfiança aquelas novidades de Ilhéus, vivendo quase todo o tempo na roça, vindo à cidade somente em negócios, discutir com os exportadores, era o coronel Manuel das Onças.

Andando pela rua deserta, na madrugada sem chuvas, a primeira após tanto tempo, pensava em partir naquele mesmo dia para a sua fazenda. Aproximava-se a época da colheita, o sol iria agora dourar os frutos de cacau, as roças ficavam uma beleza. Era daquilo que ele gostava, a cidade não conseguia prendê-lo, apesar de tantas seduções: cinemas, bares, cabarés com mulheres formosas, lojas sortidas.

Preferia a fartura da fazenda, as caçadas, o espectáculo das roças de cacau, as conversas com os trabalhadores, as histórias repetidas dos tempos das lutas, os casos de cobras, as caboclinhas humildes nas pobres casas de rameiras, nos povoados. Viera a Ilhéus para conversar com Mundinho Falcão, vender cacau para entrega posterior, retirar dinheiro para novas benfeitorias na fazenda. O exportador andava pelo Rio, ele não quisera discutir com o gerente, preferia esperar, já que Mundinho chegaria pelo próximo Ita.

E, enquanto esperava, na cidade alegre, apesar das chuvas, ia sendo arrastado pelos amigos aos cinemas (em geral dormia a meio do filme, cansava-lhe a vista), aos bares, aos cabarés. Mulheres com tanto perfume, meu Deus!, um despropósito… E cobrando alto, pedindo jóias, querendo anéis…Esse Ilhéus era mesmo uma perdição… No entanto, a visão do céu límpido, a certeza da safra garantida, o cacau a secar nas barcaças, a largar o mel nos cochos, partindo no lombo dos burros, fazia-o tão feliz que ele pensou ser injusto manter a família na fazenda, os meninos crescendo sem instrução, a esposa na cozinha, como uma negra sem diversão.

Os outros coronéis viviam na cidade, construíam boas casas, vestiam-se como gente.

De tudo quanto fazia em Ilhéus, durante suas rápidas estadas, nada agradava mais ao coronel Manuel das Onças quanto a conversa matutina com os amigos, junto da banca de peixe. Naquele dia lhes anunciaria sua decisão de botar casa em Ilhéus, de trazer a família. Nessas coisas ia pensando pela rua deserta quando, ao desembocar no porto encontrou o russo Jacob, a barba ruiva por fazer, despenteado, eufórico.

Mal enxergou o coronel, abriu os braços e bradou qualquer coisa, mas tão excitado estava, o fez em língua estrangeira, o que não impediu o iletrado fazendeiro de entender e responder:

- Pois é… finalmente temos o sol, meu amigo.

O russo esfregava as mãos:

Agora botaremos três viagens diárias: às sete horas, ao meio-dia e às quatro da tarde. E vamos encomendar mais duas marinetes.

(click na imagem que mostra o cacau a ser partido ainda na roça)

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