quinta-feira, janeiro 26, 2012

GABRIELA

CRAVO
E
CANELA





Episódio Nº 6



Havia um ar de prosperidade por toda a parte, um vertiginoso crescimento. Abriam-se ruas para o lado do mar e dos morros, nasciam jardins e praças, construíam-se casas, sobrados, palacetes. Os alugueis subiam, no centro comercial atingiam preços absurdos. Bancos do Sul abriam agências, o Banco do Brasil edificara prédio novo, de quatro andares, uma beleza.

A cidade ia perdendo, a cada dia, aquele ar de acampamento guerreiro que a caracterizava no tempo da conquista da terra: fazendeiros montados a cavalo, de revólver à cinta, amedrontadores jagunços de repetição em punho atravessando ruas sem calçamento, ora de lama permanente, ora de permanente poeira, tiros enchendo de susto as noites intranquilas, mascates exibindo suas malas na calçada.

Tudo isso acabava, a cidade esplendia em vitrinas coloridas e variadas, multiplicavam-se as lojas e os armazéns, os mascates só apareciam nas feiras, andavam pelo interior. Bares, cabarés, cinemas, colégios. Terra de pouca religião, orgulhara-se, no entanto, com a promoção a diocese e recebera, entre festas inesquecíveis, o primeiro bispo.

Fazendeiros, exportadores, banqueiros, comerciantes, todos deram dinheiro para a construção do Colégio das Freiras, destinado às moças ilheenses, e ao Palácio Diocesano, ambos no alto da Conquista. Como deram dinheiro para a instalação do Clube Progresso, iniciativa de comerciantes e doutores, Mundinho Falcão à frente, onde aos domingos havia chás-dançantes e de quando em quando grandes bailes. Surgiam clubes de futebol, prosperava o Grémio Rui Barbosa.

Naqueles anos, Ilhéus começara a ser conhecido país afora, como a “Rainha do Sul”. A cultura do cacau dominava todo o sul dominava todo o Sul do estado da Baía, não havia lavoura mais lucrativa, as fortunas cresciam, crescia Ilhéus, capital do cacau.

No entanto, ainda se misturavam em suas ruas esse impetuoso progresso, esse futuro de grandezas, com os restos de lutas e bandidos. Ainda as tropas de burros, conduzindo cacau para os armazéns dos exportadores, invadiam o centro comercial, misturando-se aos caminhões que começavam a fazer-lhes frente.

Passavam ainda muitos homens calçados de botas, exibindo revólveres, estouravam ainda facilmente arruaças nas ruas de canto, jagunços conhecidos arrotavam valentias nos botequins baratos, de quando em vez um assassinato era cometido em plena rua. Cruzavam essas figuras nas ruas, calçadas e limpas, com exportadores prósperos, vestidos com elegância por alfaiates vindos da Baía, com incontáveis caixeiros viajantes ruidosos e cordiais, sabendo sempre as últimas anedotas, com os médicos, advogados, dentistas, agrónomos, engenheiros chegados a cada navio.

Mesmo muitos fazendeiros andavam sem botas e sem armas, um ar pacífico, construindo boas casa de moradia, vivendo parte do seu tempo na cidade, botando os filhos no Colégio de Enoch ou enviando-os para colégios na Baía, as esposas indo às fazendas apenas pelas férias gastando sedas e sapatos de taco alto, frequentando as festas do Progresso.

Muita coisa recordava ainda o velho Ilhéus de antes. Não o do tempo dos engenhos, das pobres plantações de café, dos senhores nobres, dos negros escravos, da casa ilustre dos Ávilas. Desse passado remoto sobravam apenas vagas lembranças, só mesmo o doutor se preocupava com ele.

Eram aspectos de um passado recente, do tempo das grandes lutas pela conquista da terra. Depois que os padres jesuítas haviam trazido as primeiras mudas de cacau.


(Na imagem uma roça de cacau. A casca serve para adubar a própia terra)

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