O presidente Sampaio
Votei no candidato Jorge Sampaio e passados 10 anos despeço-me dele com simpatia sem que me tenha arrependido da orientação do meu voto.
Para que assim seja é importante dizer, independentemente dos poderes e funções que lhe são atribuídos na Constituição, o que é para mim o Presidente da República uma vez que sendo uma opinião pessoal a que vou exprimir ela é diferente da do comentador ou especialista em análise política e a avaliação tem sempre algo de subjectivo relacionada, neste caso, com a minha sensibilidade, independentemente da realidade dos factos os quais, evidentemente, não podemos ignorar nem afastarmo-nos deles.
O Presidente da República, como principal responsável no país, eleito por sufrágio universal e directo pelo povo deverá ser, acima de tudo, para mim, o português de referência de todos os outros portugueses e só o conseguirá ser se pela sua personalidade e comportamento demonstrar dignidade e Jorge Sampaio foi um Presidente digno e sério com tudo aquilo que estas palavras podem significar para o comum dos portugueses.
No exercício do cargo demonstrou elevação e eu nunca me senti tão bem representado quando, numa entrevista em inglês para os ingleses e para o mundo, expressando-se na língua de Shakespeare como eu jamais ouvirei algum político nosso expressar-se, defendeu o direito à independência do povo timorense com uma argumentação tão sólida, lógica e persuasiva que quando acabou a independência do povo de Timor estava ganha na opinião pública internacional. Seria, agora, apenas uma questão de tempo e de salvar a face para a Indonésia.
È verdade que nós somos um país de causas, sabemos vivê-las com o romantismo e a ingenuidade próprias do que nos vai na parte mais profunda da nossa alma, somos assim, com tudo o que isso tem de bom e de mau e eu gosto que sejamos assim porque me revejo nesse espelho, porque também parei na auto-estrada e me pus em sentido durante um minuto ao lado carro, com a grande felicidade de ver a maioria esmagadora dos meus concidadãos fazerem precisamente o mesmo e o meu Presidente estava lá, sentindo como eu e fazendo muito mais do que eu.
Foi o momento alto dos seus 10 anos de mandato e eu valorizo-o especialmente porque sendo, talvez, de importância muito relativa para os interesses do nosso país, Jorge Sampaio foi, sem dúvida, nesse momento, o líder sincero, espontâneo e verdadeiro de um sentimento colectivo que traduziu a nossa identidade de nação pequena que também já sofreu humilhações graves e que naturalmente se alia aos mais fracos, sofre com a sua dor e se indigna com as injustiças, especialmente quando os injustiçados foram um dia portugueses e muitos deles tinham orgulho em sê-lo.
Guardou para o fim do seu segundo mandato a última visita a Timor e percebeu-se como ela estava carregada de emoção e ainda bem porque os comportamentos nobres perduram para sempre dentro de quem os pratica ao contrário dos outros que apenas se somam a tantos mais e deste, Jorge Sampaio, jamais se esquecerá.
Para traz ficaram decisões polémicas que eu não escamoteio, os discursos da praxe e muita, muita pedagogia feita por esse país fora, infelizmente muito dela a entrar por um ouvido e a sair pelo outro mas foi um esforço sério da sua parte e eu não tenho dúvidas de que quem o ouviu acreditou que a sua mensagem era sincera e aquele homem estava verdadeiramente interessado e empenhado na sua missão de dizer aos seus compatriotas aquilo que ele pensava que era melhor para eles.
Como Presidente da República Jorge Sampaio foi exactamente o homem que é, não simulou, não representou, não envaideceu, não inventou e mesmo quando alongava os discursos e era acusado de os fazer redondos percebeu-se sempre que nos falava com sinceridade, do coração, como diz o povo, quando não mesmo com emoção.
À parte tudo isto, Jorge Sampaio teve que gerir os mandatos mais difíceis do pós Constituição e vai sair com a naturalidade de quem acabou o seu trabalho sem pensar em ir liderar novos partidos, presidir a novas Fundações ou partir para o desempenho de cargos políticos de âmbito internacional.
E, no entanto, não foi fácil, senão vejamos:
-Quando Guterres governou o país sem maioria absoluta e teve que “comprar” um voto a um deputado da oposição para poder aprovar o Orçamento de Estado para governar o país deveria o Presidente, “Como Garante do Normal Funcionamento das Instituições”, ter dissolvido a Assembleia e convocado novas eleições sem esperar que o 1ºMinistro viesse mais tarde a abandonar as funções evitando, assim, aquilo a que ele próprio chamou de “pântano político”?
-Quando o 1º Ministro Durão Barroso que governava com uma coligação de direita maioritária na Assembleia, decidiu abandonar as funções que tinha jurado desempenhar e respeitar para ir presidir à Comissão Europeia deveria o Presidente, acto contínuo, ter dissolvido a Assembleia e convocado novas eleições considerando que o quadro político sem Barroso já não expressava a vontade dos portugueses resultante das eleições?
-Se assim tivesse procedido não teria dado ao país um sinal inequívoco de que os compromissos nacionais ao nível de um chefe de governo se devem sobrepor a todos os outros por muito prestigiantes que eles sejam?
-Tendo, desde o primeiro momento, percebido que Santana Lopes não tinha perfil para o exercício do cargo de 1º ministro, nem esse exercício resultava da vontade expressa dos portugueses mas antes de arranjos partidário concertados por Durão Barroso na preparação da sua ida para Bruxelas, não deveria o Presidente ter recusado a sua indigitação pela maioria que o suportava na Assembleia e dissolvido esta e convocado novas eleições?
-E tendo-o investido nas funções de 1º Ministro não o deveria ter mantido enquanto a Assembleia lhe garantisse uma maioria de deputados favoráveis em vez de ter sido ele a despedi-lo e a convocar novas eleições?
-E se tivesse decidido tudo ao contrário daquilo que decidiu estaria o país a viver agora uma situação de estabilidade política sem a qual não há reformas possíveis e com um 1º Ministro que ao fim de um ano de governo beneficia de resultados de sondagens as mais favoráveis alem de ter conseguido devolver ao poder uma parte considerável da respeitabilidade que tinha perdido com o governo anterior?
Os historiadores e os analistas políticos vão ter aqui muito com que se entreter mas para o povo anónimo o que fica como recordação deste Presidente é que ele, em todas as ocasiões, foi um homem sério e ponderado que deu perfeitamente a entender que se esforçava por tomar decisões o melhor que sabia mesmo quando ou talvez por isso, levasse tempo demais e ouvisse demasiadas pessoas.
Mas também foi notório que quando decidia o fazia pela sua própria cabeça no difícil exercício solitário de quem tem que assumir toda a responsabilidade e com a preocupação de que o poder não era dele e por isso tinha que o desempenhar no respeito pela Constituição que jurou defender, inevitavelmente de acordo com o seu critério e a sua interpretação mas sem sujeições de qualquer outra espécie que não fossem o interesse do país e a já referida Constituição.
Este sentido de responsabilidade, esta seriedade, foi, para mim, a grande marca que Jorge Sampaio deixa e que eu julgo foi perfeitamente apreendida pelos portugueses e isso foi deixando-os descansados ao longo dos dois mandatos.
Nas consultas de rua dizia aqui há dias um jovem interrogado sobre o actual Presidente: olhe, para mim, ele ficava lá até ao resto da vida!
Compreendo este jovem mas não estou de acordo com ele.
O país precisa agora de um Presidente com outro perfil, que nos compreenda menos bem e exija mais de nós, que nos fale menos ao coração e mais aos nossos problemas e que dê força às reformas, às medidas que implicam mudança e que neste aspecto combine bem com o 1º Ministro e se potenciem reciprocamente.
As corporações deste país não podem continuar a prevalecer: ou elas ou o país, já não haverá espaço para ambos mas a determinação não se deve substituir à inteligência, ponderação e sensibilidade.
Há largas franjas da população com enorme debilidade e vai ser preciso estar muito atento a essas situações e já agora, falem com as pessoas, expliquem-lhes o que se tem que fazer e por que tem que se fazer, nas situações difíceis governar também é explicar.
O próximo futuro será decisivo para o nosso futuro como nenhum outro o terá sido.
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