terça-feira, maio 20, 2008

AS “PROVAS” DA EXISTÊNCIA DE DEUS
(Richard Dawkins)




Para mim, está claro que tudo o que se passa no domínio de Deus e das Religiões é exclusivamente do foro da fé, da crença, dessa necessidade ancestral de acreditar que servia objectivos de sobrevivência da nossa espécie.

Residente em um qualquer espaço do nosso cérebro, essa necessidade não está doseada em cada um de nós na mesma medida e a sua utilização e repercussões na vida das pessoas depende, fundamentalmente, do meio social em que nascemos e da educação que recebemos logo a partir do nascimento.

As Religiões são dogmáticas, todas o são e é esse dogmatismo que as define como religiões.

“Eu acredito porque é verdade e é verdade porque Deus o disse...”

Esta é, para mim, a posição e a atitude mais honesta que um crente ou uma pessoa religiosa pode afirmar.

Daqui para a frente, tentar comprovar com argumentos racionais, filosóficos, dialécticos ou de qualquer outra natureza a existência de Deus e das Religiões que o servem, é um esforço inútil e algumas vezes quase caricato.

Richard Dawkins relata um episódio que cai, exactamente, no domínio do caricato:

«Um dos meus antigos colegas da Universidade mais dotados e maduros, que era muito religioso, foi acampar nas Ilhas escocesas. A meio da noite, dormia com a namorada sob a tenda quando foram acordados pela voz do Diabo – do próprio Satanás; não havia margem para dúvidas; a voz era em tudo diabólica.

O meu amigo nunca viria a esquecer essa terrível experiência, que de resto foi um dos factores que mais tarde o levaram a ser ordenado sacerdote.

Fiquei impressionado com esta história que, mais tarde, relatei a um grupo de zoólogos num momento de descontracção em Oxford.

Por acaso, dois deles eram ornitólogos experientes e riram às gargalhadas porque a tal voz do Diabo não passava dos gritos de uma ave de seu nome “Pardela da Ilha de Man” e que, exactamente, pelos seus cacarejos e guinchos diabólicos ganhou a alcunha de “Pássaro do Diabo”. »

Este episódio faz parte de um conjunto de muitos outros que integram os chamados argumentos da “experiência pessoal” que “provam” a existência de Deus.

Muitas pessoas acreditam em Deus porque pensam ter tido, com os próprios olhos, uma visão dele, ou de um anjo ou de uma Nossa Senhora vestida de azul.

Ou então, porque dentro das suas cabeças, Deus fala com elas.

O estripador de Yorkshire ouvia distintamente a voz de Jesus a dizer-lhe que matasse as mulheres…e foi parar à prisão para o resta da vida.

George Bush afirmou que Deus lhe disse para invadir o Iraque…e não foi parar à prisão.

Sam Harris, no seu livro The End of Faith, escreveu sem nenhum tipo de ironia:

- “Temos nomes para chamar às pessoas que têm muitas crenças para as quais não existe uma justificação racional.

Quando essas crenças são extremamente comuns, chamamos-lhes «religiosas»; caso contrário, o mais provável é chamarmos-lhes «loucas» ou «psicopatas».

No entanto, os argumentos mais fortes a favor da existência de Deus são as cinco “provas” de Tomás de Aquino no século XIII.

As três primeiras são formas diferentes de dizer precisamente a mesma coisa e por isso podem ser avaliadas em conjunto:

- Todas elas implicam uma regressão infindável: a resposta a uma pergunta gera outra pergunta e assim sucessivamente, ad infinitum.

1º O Motor Imóvel – Nada se move sem um movimento prévio o que nos conduz a uma regressão da qual a única fuga é Deus, aquele que provocou o primeiro movimento.

2º A Causa sem Causa – Nada se causa a si mesmo. Todo o efeito tem uma causa prévia e uma vez mais somos obrigados a retroceder até chegarmos a uma causa primeira a que chamamos Deus.

3º O Argumento Cosmológico – Houve, com certeza, uma época em que não existiam coisas físicas mas, uma vez que elas hoje existem é porque, certamente, houve algo de não físico que lhes deu existência e a esse algo chamamos Deus.

Ainda que nos permitamos a dúbia extravagância de evocar, arbitrariamente, um ser para que venha acabar com uma regressão infinita e de lhe dar um nome só porque precisamos de um, não há absolutamente razão alguma para dotar esse ser terminante de qualquer uma das propriedades normalmente atribuídas a Deus: omnipotência, omnisciência, bondade, criatividade de concepção, já para não falar de atributos humanos como ouvir preces, perdoar pecados, ler os mais ínfimos pensamentos, etc.

Regressando aos dois restantes dos cinco argumentos que Tomás de Aquino apresenta como “provas” para a existência de Deus, temos:

4º - O Argumento da Gradação – Apercebemo-nos de que as coisas, no mundo, diferem entre si. Por exemplo, há graus de bondade como há graus de perfeição mas só avaliamos esses graus comparando-os a um máximo.
Os humanos podem ser bons e maus o que quer dizer que a bondade máxima não está entre nós.
Assim sendo, tem de haver um outro máximo que estabeleça o padrão de perfeição e a esse máximo chamamos Deus.

Mas isto é um argumento?

Também podemos dizer que as pessoas variam em mau cheiro mas só podemos fazer a comparação tendo como referencia um máximo perfeito de mau cheiro imaginável.

Por conseguinte, é forçoso que haja alguém notório e incomparavelmente fedorento e a esse alguém chamamos Deus.

E aqui temos, como exactamente com o mesmo tipo de raciocínio, chegamos a uma conclusão tola.

5º - O Argumento Teológico ou do Desígnio – As coisas do mundo, sobretudo as coisas vivas, têm o aspecto de obedecer a uma concepção, um desígnio/desenho. Nada do que conhecemos tem aspecto de ter sido concebido a menos que o tenha sido. Assim sendo, teve de haver um criador ao qual chamamos Deus.

O argumento do desígnio é o único ainda utilizado sendo, para muitos, o argumento infalível para arrumar com a questão.

O jovem Darwin deixou-se impressionar por ele quando, em jovem, o leu na Natural Theology de William Paley.

Infelizmente para Paley o Darwin da maturidade varreu por completo a teoria do argumento do desígnio quando provou que nada do que conhecemos tem aspecto de ter sido concebido a menos que o tenha sido.

A evolução através da selecção natural produz um excelente simulacro de criação, elevando-se a prodigiosos primores de complexidade e elegância.

Estes cinco argumentos para a existência de Deus, apresentados por Tomás de Aquino, são argumentos a posteriori mas há outros a priori, denominados argumentos ontológicos, que têm por base o puro raciocínio de poltrona como este que se apresenta ao estilo de uma brincadeira de recreio:

- Aposto contigo que consigo provar que Deus existe.
- Aposto que não consegues.
- Está bem, imagina a coisa mais perfeita, perfeita possível.
- Sim, e agora.
- Agora essa coisa perfeita, perfeita, perfeita é real? Existe?
- Não, é só na minha imaginação.
- Mas se fosse real era ainda mais perfeita porque uma coisa mesmo, mesmo perfeita tinha que ser melhor do que uma palermice de uma coisa imaginária.

Portanto Deus existe e todos os ateus são tolos…


Mas os mesmos jogos de palavras e de raciocínios também servem para uma conclusão contrária:

1. A criação do mundo é o mais maravilhoso feito que se pode imaginar;

2. O mérito de um feito é o produto da sua qualidade intrínseca multiplicado pela capacidade do seu criador;

3. Quanto maior a incapacidade ou as limitações do
Criador mais impressionante é o feito.

4. A limitação mais colossal para um criador, seria a
sua não existência.

5. Assim, se supusermos que o universo é o produto
de um ser existente, podemos conceber um ser maior, nomeadamente, um ser que tudo criou, ainda que não exista.

6. Portanto, um Deus existente não seria um Deus
maior do aquele que seria possível de conceber
porque um criador ainda mais colossal e incrível
seria um Deus que não existiria.

Logo:

7. Deus não existe.

A vontade de provar a existência de Deus pode levar a argumentos deste género que fazem parte de uma lista de mais de 300 “provas” reunidas no endereço
http://www.godless.com/ das quais apresentamos algumas:

1. Argumento da devastação completa: Um avião caiu do que resultou a morte de 143 passageiros e da tripulação com excepção de uma criança que sobreviveu com queimaduras de terceiro grau.

Logo: Deus existe.


2. Argumento dos mundos possíveis: Se tudo se
tivesse passado de modo diferente, tudo seria
diferente. Isso seria mau.

Logo: Deus existe.

3. Argumento da pura verdade: Eu acredito mesmo
Em Deus! Eu acredito mesmo. Eu acredito mesmo em Deus!

Logo: Deus existe.

4. Argumento da não crença: A maioria da
população mundial não acredita no Cristianismo.
Era isto que Satanás queria.

Logo: Deus existe.

5. Argumento da experiência pós-morte: A pessoa X morreu ateia. Agora sabe que estava errada.

Logo: Deus existe.

6. Argumento da chantagem emocional: Deus ama-te.
Como podes ser tão cruel ao ponto de não
acreditares nele?


Logo: Deus existe.

A lista é de mais de trezentas “provas” que a avaliar pela qualidade destas que não foram escolhidas mas mencionadas a eito permite-nos concluir que se trata de uma simples brincadeira hilariante ou então de um certificado de estupidez do seu autor(s) passado a si próprio(s) ou aos outros.

No mínimo, uma incrível desonestidade intelectual inútil, já se vê, porque com estes argumentos em vez de conseguirem adesões à causa provocariam simples gargalhadas a menos que o auditório esteja completamente alienado.

Há algumas pessoas que são persuadidas a acreditar em Deus pelas provas bíblicas mas desde o séc. XIX que estudiosos de Teologia vêm demonstrando, de forma esmagadora, que os Evangelhos não são relatos fiéis do que aconteceu na história do mundo real.

Todos eles foram escritos muito depois da morte de Jesus e também das epístolas de Paulo, que quase não mencionam os pretensos factos da vida de Jesus.

O romance O Código da Vinci e o filme nele baseado despertaram grande controvérsia nos círculos da Igreja a ponto de se incentivarem os cristãos a boicotarem o filme tendo-se organizado piquetes nos cinemas onde era exibido.

Trata-se, de facto, de uma obra fabricada do princípio ao fim, uma invenção, uma ficção. Neste aspecto é exactamente como os Evangelhos apenas com uma única diferença: os Evangelhos são uma ficção antiga enquanto o Código Da Vinci é uma ficção moderna.

Finalmente, a Aposta de Pascal:

Blaise Pascal, matemático francês do séc.XVII apresentou um argumento a favor da existência de Deus.

Dizia ele:

- O melhor é acreditar que Deus existe porque se estivermos certos, habilitamo-nos a ganhar a felicidade eterna e, se estivermos errados, não vai fazer diferença nenhuma.

Por outro lado, senão acreditarmos Nele e estivermos errados somos condenados à maldição eterna, ao passo que se estivermos certos não faz qualquer diferença.

Este argumento parece ser de uma lógica indestrutível não fosse uma grande falha no seu próprio conteúdo, porque eu posso decidir ir à Igreja, posso decidir rezar o Credo e posso jurar sobre uma pilha de Bíblias mas nada disto me fará acreditar, se eu não acreditar de facto.

Portanto, esta aposta de Pascal, só poderia ser, quando muito, um argumento para se fingir a crença em Deus.

E era bom que o Deus em que afirmamos acreditar não seja do tipo omnisciente, caso contrário dar-se-ia conta da fraude.

Voltamos àquilo que dissemos no princípio deste texto:

“Cai-se” na religião porque:

- a) a recebemos por herança da nossa família e da sociedade;

- b) e porque existe em todos nós, nos nossos cérebros, uma predisposição para acreditar e já explicámos o porquê dessa necessidade de acreditar.

José Saramago diz que o Homem criou Deus e este desaparecerá quando o homem desaparecer.

Quanto a mim, não terá que ser necessariamente assim porque o homem não nasceu para a religião, apenas para acreditar naquilo que os seus pais, avós, pessoas mais velhas e sabedoras tinham para lhe dizer no interesse da sua própria sobrevivência e não julgo que a religião o tenha ajudado a sobreviver, bem antes pelo contrário.

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