segunda-feira, julho 14, 2008


Salman Rushdie




A quando da divisão da Índia, mais de um milhão de pessoas foram massacradas em motins religiosos entre Hindus e Muçulmanos e quinze milhões foram deslocados das suas casas.

Não era, então, necessária qualquer outra razão para se matar quem se quisesse para além da religião. Em última análise, não havia nada que os dividisse a não ser a religião.

Todos estamos lembrados das cenas da greve da fome empreendidas por Gandi e magistralmente representadas no filme pelo actor Ben Kingsley, em que ele jogava com o prestígio da sua vida junto de todos os indianos para os levar, hindus e muçulmanos, a uma tolerância religiosa.

Perdeu esta luta, não conseguiu a independência da Índia pela criação de um único Estado porque o ódio religioso impôs-se de tal forma que a violência dos confrontos entre as populações muçulmanas, por um lado, e siques e hindus por outro, obrigaram a Inglaterra, para evitar uma situação de extermínio, a conceder a independência em 1947 a dois estados: Índia e Paquistão.

Mais recentemente, perturbado por um surto de massacres religiosos na Índia, Salman Rushdie, escreveu um artigo intitulado «A Religião, como sempre, é o que está a envenenar o sangue da Índia» cujo último parágrafo transcrevemos:

Que respeito merece tudo isto, ou qualquer um dos crimes hoje cometidos quase diariamente por todo o mundo em nome da temida religião?

Que bem e com que fatais resultados a religião ergue os seus tótemes, e como nos mostramos dispostos a matar por eles!

E quando o houvermos feito vezes suficientes, o embotamento das emoções que daí advém torna muito mais fácil fazê-lo outra vez.

Portanto, o problema na Índia é, afinal, problema do mundo. O que aconteceu na Índia aconteceu em nome de Deus.

O nome do problema é Deus.”

A religião não é o único factor que provoca a unidade inter grupo e a hostilidade e violência para com grupos alheios. Estes problemas existiriam mesmo sem ela.

Ressalvadas as devidas distâncias as rivalidades entre adeptos de clubes diferentes são um bom exemplo desse fenómeno mas a língua, como na Bélgica, as raças e as tribos, especialmente em África, podem igualmente funcionar como símbolos importantes de divisão.

Simplesmente, a religião amplia e exacerba os danos pelo menos de três maneiras:

- Pela rotulagem das crianças que são classificadas como “crianças católicas”, “crianças protestantes”, etc., desde tenra idade, ou pelo menos demasiado cedo para que possam decidir sobre o que pensam sobre a religião.

- Escolas que segregam as crianças impedindo-as que sejam educadas juntamente com outras crianças filhas de pais que professam outras religiões. Os problemas da Irlanda do Norte desapareceriam numa geração se o ensino segregado fosse abolido.

- Tabus contra “casar fora” evitam a mistura dos grupos e perpetuam os feudos e as vendetas hereditárias, enquanto que o casamento entre membros de religiões diferentes contribuiria, naturalmente, para esbater as inimizades.

Mesmo que a religião, por si só, outro mal não fizesse, o seu desmesurado e muito fomentado pendor fracturante, a sua deliberada e refinada serventia à tendência natural da humanidade para privilegiar os grupos de pertença e evitar os alheios, seria suficiente para a tornar uma significativa força do mal neste mundo.


Site Meter