segunda-feira, dezembro 29, 2008


Tieta do Agreste
Episódio Nº3


Quanto aos grandes patrões, esses não se mostram em bares, não brindam com jornalistas de cavação e preferem as formosas nuinhas de todo, no conforto e no recato, longe de qualquer exibição pública. Ai, quem me dera a honra, a glória suprema de que pelo menos um deles venha a aparecer nas mal alinhadas páginas deste relato; seria o máximo para o modesto escriba contar com uma tamanha personagem.

Realista, os pés na terra, não espero que aconteça esse milagre; onde forças capazes de arrastar um lorde estrangeiro àquele cu – de – mundo, através de lama e poeira?

Caso tudo dê certo, aprovado o projecto, instalado o complexo industrial, quando o progresso chegar com asfalto sólido, estradas de mão única, motéis, piscinas, moças de túnicas transparentes, polícia de segurança, aí sim, talvez tenhamos o privilégio de enxergar, com nossos olhos que a terra há-de comer, um desses grandes do mundo envolto em ouro.

De qualquer maneira, vou em frente, mesmo sabendo que alguns detalhes dificilmente merecerão crédito de parte de pessoas sensatas, pespegá-los exige martelo russo e prego caibral, para usar expressão da velha Milú repetida cada vez que o bardo Barbosinha termina de narrar sobre o além e o passado ou, indómito, penetra futuro adentro, a voz eloquente e empostada – empostada por uma embolia que o acometera anos atrás e por pouco o desencarna.

Não deu para tanto, suficiente porém para aposentá-lo do quadro de funcionários da Prefeitura da Capital, onde exerceu, com relativa capacidade e certo desleixo, funções de escriturário, e trazê-lo de volta às ruas poucas e pacatas de Sant’Ana do Agreste, cujos limites culturais, com tal retorno, logo de muito se ampliaram pois Barbosinha – Gregório Eustáquio de Matos Barbosa – é autor de três livros, publicados na Baía, dois de poesia e um de máximas filosóficas.

De tudo isso se dará notícia no decorrer da acção. Aqui venho apenas livrar a cara, declinar de qualquer responsabilidade. Relato os factos conforme me foram narrados, por uns e por outros. Se de quando em quando meto a minha colher e situo opiniões e dúvidas, é que também não sou de ferro nem me pretendo indiferente às “agitações sociais, vendavais do século a convulsionar o mundo” (De Matos Barbosa, in Máximas e Mínimas da Filosofia – Dmeval Chaves Editor – Baía, 1950). Sou apenas prudente, o que nos tempos de agora não é virtude nem mérito e sim necessidade vital.

De uma coisa desejaria realmente ter a certeza no momento em que colocar o ponto final nas páginas deste folhetim, e para isso conto com a ajuda dos senhores, lanço-lhes um desafio: respondam-me quais os heróis da história, quem lutou pelo bem da terra e do povo. Em nome da terra e do povo todos falam, cada qual mais ardente e gratuito defensor.
A gente vai ver se descobre dinheiro pelo meio, no bolso dos sabidos, povo e terra que se danem.

Nesta embrulhada, cujos nós começo a desatar, quem merece nome em placa de rua, avenida ou praça, artigos laudatórios, homenagens, comendas, cidadania, ser proclamado herói? – digam-me os senhores. Aqueles que pugnam pelo progresso a todo custo – pague-se o preço sem reclamar, seja qual for – a exemplo de Ascânio Trindade? Se pagasse com a vida, teria pago menos caro. Se não forem eles que outros? Não há-de ser a Barbosinha ou a dona Carmosina, a Dário, comandante sem tropas a comandar, que se confira tais honrarias, muito menos a Tieta, melhor dito, à madame. As palavras também valem dinheiro, herói é vocábulo nobre, de muita consideração.

Agradecerei a quem me elucidar quando juntos chegarmos ao fim, à moral da história. Se moral houver, do que duvido. (Continua)

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