sábado, fevereiro 07, 2009


Tieta do Agreste

EPISÓDIO 43



- É verdade, Tieta, o que os jornais dizem? Que a poluição em São Paulo está ficando intolerável?

- Uma coisa medonha. Tem lugares, nas zonas mais afectadas onde as crianças estão morrendo e os adultos ficando cegos. A gente passa dias e dias sem enxergar a cor do céu.

- Com tudo isso era lá que eu queria viver, desafia Elisa.

Tímida, Leonora contradiz, a voz mansa:

- Pois eu adoraria viver aqui. Se pudesse, não saía daqui nunca mais. Aqui, eu respiro, vivo, sonho. Lá não, lá se trabalha dia e noite, noite e dia. Trabalha e morre.

Ascânio tem vontade de pedir bis: repita essas palavras, são favos de mel. Ah! se ao menos ela fosse pobre…

Tão embevecido a contemplá-la, nem toma conhecimento do debate acalorado, filosófico e empolgante travado entre dona Carmosina, Barbozinha e o Comandante Dário sobre o objecto não identificado, visto pelos pescadores quando sobrevoava as dunas de Mangue Seco e o coqueiral sem fim.

Barbozinha se exalta, em explicações exotéricas, enquanto o Comandante se exibe vasta cultura de ficção científica e dona Carmosina fala em ilusão colectiva, fenómenos no corriqueiro.

O corte da luz, às nove horas, o badalar do sino da Matriz mandando o povo ordeiro para a cama, interrompe a discussão, todos se põem de pé, em despedida. Mas Tieta rompe a tradição:

- Nada disso, não são horas de ninguém dormir. Vamos conversar. Perpétua mande acender as placas. Onde já se viu dormir a essa hora? Ainda bem que o nosso jovem perfeito vai trazer a luz de Paulo Afonso. Para acabar com esses horários de galinheiro. Vamos tomar mais uma cervejinha, um refrigerante. A prosa está boa…

Rejubila-se Ascânio, prefeito ainda não, apenas provável candidato. Volta a sentar-se. Mas o Comandante e dona Laura preferem deixar a continuação da conversa para o dia seguinte e levam dona Carmosina, vão acompanhá-la até casa. Do bar chegam Aminthas, Osnar, Astério.

- Cuidado, prima, para o lobisomem não lhe pegar – recomenda Aminthas a dona Carmosina.

- Se assunte, malcriado.

Elisa e Peto acompanham o grupo dos sonolentos, de má vontade. Elisa arvora ar de vítima, melancólica; Peto pensa em fugir mais tarde em busca de Osnar. Prometeu levá-lo à caça, não cumpre o prometido.

Tieta convida os dois compadres:

- Entrem, não fiquem aí na porta. Venham tomar um gole de cerveja.

Osnar e Aminthas são notívagos, aceitam. Ricardo acabou de acender e colocar lampiões de querosene na sala. Perpétua ordena-lhe:

- Cardo vá dormir. Já passou da hora.

- Boa noite para todos, com a graça de Deus. A bênção Mãe.

Perpétua dá-lhe a mão a beijar, o rapaz dobra o joelho em ligeira genuflexão.

- A bênção, tia.

- Venha aqui para eu te abençoar. Nada de beija-mão. Meu beijo quero no rosto. Dois, um de cada lado.

Agarra com as mãos a cabeça do sobrinho enfarpelado na batina, beija-o nas duas faces, beijos estalados, deixam a marca do batom.

- Meu padreco!

Também Perpétua se despede:

- Boa noite. Fiquem à vontade. A casa é sua Tieta, Tieta.

Tão gentil, nem parece a mesma, irreconhecível.

- Tieta está domando a fera… - confia Osnar a Aminthas enquanto as irmãs trocam abraço e beijo, - Você já tinha visto dona Perpétua beijar alguém?

- Perpétua não beija, oscula – rectifica Aminthas.

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