sexta-feira, fevereiro 06, 2009


Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 42

DE VISITAS E CONVERSAS, ONDE LEONORA

EXPRIME INESPERADO DESEJO



A sala de visitas cheia, à noite. A pedido de Tieta, Peto encomendara no bar volumoso carregamento de cerveja, guaraná, coca-cola. A tia Antonieta é o novo ídolo de Peto, desbancou os mocinhos do cinema, os heróis da histórias de quadradinhos. Sabino quebra uma pedra de gelo no quintal, enviada por Modesto Pires, do curtume. Na beira do rio, o moleque Sabino foi o único que conseguiu pescar com a vara nova, utilizando o molinete. Trouxe os peixes para Tieta e lhe pediu a bênção. Cardo e Peto vieram carregados de pitus.

A prosa se estende sem compromisso ao sabor dos assuntos mais diversos, a partir da sensação causada pelas modas de São Paulo, as perucas, a transparência dos tecidos, as calças justas, as sandálias.

Perpétua é contra as cafetãs transparentes, calças coladas modelando bundas, comprimindo ancas, shortes exibindo coxas, blusas amarradas sob os peitos, umbigos de fora, condena a devassidão que vai pelo mundo:

- Podem me chamar de atrasada. Moça solteira, moderninha, vá lá que use… – extrema concessão a Leonora. – Mas mulher casada, não acho decente. Viúva muito menos, Antonieta que me desculpe. Se eu fosse Astério não ia deixar não ia deixar Elisa usar a tal mini-saia que você deu a ela.

- Você encruou no passado, mana, - Antonieta desata em riso.

- Agreste inteiro vive no passado – Ascânio Trindade culpa a pasmaceira, responsável pela língua das beatas. – Até mesmo um homem viajado como o Comandante é contra o progresso. Quando eu falo em turismo para reerguer a economia do município, ele fecha a cara.

- Contra o progresso, amigo Ascânio. Não confunda as coisas. Sou a favor de tudo quanto seja útil a Agreste mas sou contra tudo o que venha roubar nossa tranquilidade, essa paz que não tem preço que pague. Não tenho nada contra a mini-saia desde que a pessoa a usá-la tenha condições para isso. Numa mulher de certa idade já não cai bem.

Por exemplo? – Desafia dona Carmosina.

- Cito o exemplo de duas lindas senhoras aqui presente: Laura e Antonieta. No meu entender, já passaram da idade.

Dona Laura nunca pensou em mini saias mas ameaça o marido, bem-humorado:

- Não sabia que você era tão entendido em mini-saia, Dário! Até parece que já viu muitas… Pois eu vou tomar a de Elisa emprestada e saio desfilando por aí, você vai ver.

- Para mim não é uma questão de idade e, sim, de físico. Mini-saia não vai com o meu corpo, com minhas abundâncias – lastima-se Tieta.

Barbozinha, a fumar literário cachimbo, quase sem apagado, consola:

- Tens o tipo clássico, Tieta. A beleza suprema, Vénus, era assim. Não suporto esses esqueletos que andam exibindo os ossos. Não me refiro a você Leonora. Você é uma sílfide.

- Obrigado, seu Barbozinha.

- Infelizmente, meu poeta, ninguém pensa mais como você. És meu único eleitor, - Tieta volta-se para Ascânio – Turismo em Agreste? Acha possível?

- E porque não? A água é medicinal, os exames já foram feitos, Modesto Pires mandou as amostras para o genro que é engenheiro da Petrobrás. Os resultados foram formidáveis, tenho cópia na Prefeitura se quiser ver. Modesto Pires está estudando a possibilidade de engarrafamento. O clima é o que se vê, cura qualquer doença. Em matéria de praia, onde mais bonitas?

- Isso é verdade, praia igual à de Mangue Seco não vi em lugar nenhum.

Copacabana, as praias de Santos, nem chegam perto. Mas daí…Enfim, não digo nada, não quero pôr água fria nas suas esperanças. É preciso, porém, muito dinheiro, muito mesmo…

- Já disse a Ascânio: deixe Mangue Seco em paz enquanto a gente viver… - resume o Comandante.

- Vou comprar um terreno lá, fazer uma casinha de veraneio. Um dos motivos da minha viagem foi esse: adquirir um terreno em Mangue Seco e uma casa aqui na cidade, quero terminar meus dias em Agreste. Enquanto não vier de vez, Pai e Tonha ficam morando na casa, tomando conta. Vim por isso e para tirar esta pobre da fumaceira de São Paulo – aponta Leonora – Anémica como é, naquela podridão.

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