TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº40
EPISÓDIO Nº40
De shorte, à mostra as longas pernas, as modeladas coxas, a blusa amarrada sob os seios, o umbigo de fora (ai, esses costumes de S. Paulo, os meninos vão perder a virgindade dos olhos! Perpétua toca com os dedos as contas do terço no bolso da saia), Leonora sorri, acalma Tieta:
- Vamos à praia noutro dia, Mãezinha. Dona Perpétua tem razão, a missa é mais importante. – sorri para Perpétua – Mãezinha veio falando em Mangue Seco a viagem toda. Mas a missa é sagrada.
Muito bem, assim fala uma boa filha, mesmo sendo paulista, pouco atenta ao rigor do luto, aos prolongados ritos da morte, obrigatórios e rígidos em Agreste. Se Leonora se vestisse com decência, Perpétua só encontraria elogias a lhe fazer. Que necessidade tem de exibir o umbigo, que beleza existe num umbigo, pelo amor de Deus? Quem sabe, Peto poderia responder pois o olho apreciador vai e volta, das coxas para o umbigo, para a barriga de bilha, torneada.
- Tem razão, Nora. Continuo cabeçuda como uma cabra velha. Quando quero uma coisa não vejo nada à minha frente.
Iremos a Mangue Seco no outro fim-de-semana.
Conduzidas por Ricardo – vista a batina, acompanhe sua tia – foram à tarde conhecer a casa de Elisa. Barraco de pobre, mana, caro só o aluguel. Caro? Se fosse em São Paulo… Lá, para começar, só os multimilionários moram em casas, os demais vivem atulhados em apartamentos ou apodrecem em cortiços, sardinhas em lata. Em compensação, cada apartamento mais maravilhoso, não é? O de vocês, conte… Fica para depois, com tempo, agora precisamos ir. Não antes de comer uma fruta, um doce, tomar um cálice de licor senão me ofendo. Doce de araçá, raramente se faz, delicioso! Licor de jenipapo. O que eu vou engordar, meu Deus! Gulosa, de volta aos sabores da infância, Tieta repete a dose.
Na rua, encontram Ascânio Trindade. Por acaso ou de propósito, deixou ele a Prefeitura às moscas? Querem ir aonde? Tem um passeio bonito: ali adiante o rio se alarga e forma pequena bacia, reduto das lavadeiras, lugar lindo, chama-se Bacia de Catarina, nome certamente posto, por um literato, antepassado de Barbozinha. Ou por ele mesmo noutra encarnação. Hoje não, tem de visitar dona a Agência dos Correios, prometeram a Carmosina. Vão ao Aerópago? Ao quê? Aerópago, é o apelido de Giovani Guimarães, um jornalista da capital, botou na Agência dos Correios quando esteve em Agreste: ali se reúnem os sábios. Gozado! Leonora aberta em riso, cristal a romper-se nas ruas de Agreste.
Breve parada na porta do cinema para dizer boa tarde ao árabe Chalita – ainda se lembra de mim? Quem pode te esquecer, Tieta? Sorvete de Mangaba, Leonora não conhece, vai ver o que é bom. Hoje é de graça: o árabe se cobra lavando a vista em Tieta e na moça. Regala-se com a visão de mil e uma noites, sob o transparente tecido dos modelos, iluminados por um raio de sol. Combinação anágua? Isso não se usa mais, peças de museu. Sutiã? Para quê, se os seios são firmes, não precisam de armação de entretela a sustentá-los? Calçola? Minúsculo tapa sexo e basta. Viva a civilização e voltem sempre, suplica o árabe progressista.
Nas janelas, solteironas e mocinhas debruçam-se para enxergar melhor, observando cada passo, cada gesto, comentando os trajes. Você tinha coragem de usar? Eu? Acho que não. Pois eu teria se mamãe deixasse. Tieta trouxe para Elisa uma mini-saia mas ela ainda não se atreveu a estrear. Alvoroço na bar, a matilha nas portas, brechando. Até seu Manuel larga o balcão, também é filho de Deus. Leonora acha graça em tudo, soltos, o riso e os cabelos; Ascânio recolhe pela rua pedaços de cristal, recorda um verso ouvido não sabe: loira como um trigal maduro. Fica sabendo do adiamento da visita a Mangue Seco e é convidado para a missa pela alma do Comendador. Tieta deixa-o à vontade:
- Se não quiser, não vá. Essa história de missa de finado, só por obrigação. Aliás, Filipe tinha horror a tudo o que cheirasse a morte, defunto, cemitério, missa do sétimo dia. Pelo meu gosto ia a Mangue Seco. Mas Perpétua faz questão, paciência.
Ascânio não aprova nem desaprova, nessas divergências de opiniões entra as irmãs não dá palpite, mas quanto a ir à missa, isso com certeza:
- No próximo sábado? Comparecerei, sem falta. Já estarei de volta.
- Vai viajar? – surpreende-se Leonora.
- Para onde? – interessa-se Tieta.
- Vou a Paulo Afonso tratar do problema da luz. Estão colocando luz da Hidrelétrica nos municípios de toda essa zona do Estado, só deixaram de fora três cidades, uma delas é Agreste, uma discriminação sem justificativa, no meu entender. Estou vendo se consigo que voltem atrás e nosso município entre na relação dos beneficiados. Mandei ofícios para meio mundo, sem resultado. Alguns nem tiveram resposta. Decidi falar pessoalmente com o director da usina. Numa conversa cara a cara, quem sabe eu o convenço e deito abaixo essa injustiça.
- Vai demorar? – a pergunta de Leonora é um pedido: não demore, volte logo estou à espera. Assim dizem os olhos.
- Não, só dois dias. Pego a marinete amanhã, amanhã mesmo me toco de Esplanada para Paulo Afonso. Fico lá o dia de depois de amanhã, quinta-feira estou de volta. Talvez com uma boa notícia para Agreste.
Gosto de gente decidida como você – apoia Tieta: - Vá, brigue e convença o homem, traga essa luz que Agreste bem precisa.
- Vai conseguir! – exalta-se Leonora: - Vou ficar torcendo.
- Se eu já estava disposto a brigar, agora nem se fala.
Sente-se Ascânio armado cavaleiro andante, partindo para o campo de luta sob a inspiração da sua Dulcineia. Ao voltar vitorioso, tendo convencido os frios e distantes directores e técnicos da importância histórica e das possibilidades turísticas de Agreste, difícil tarefa, árdua batalha, colocará aos pés de Leonora o troféu conquistado: a refulgente luz da Hidrelétrica em substituição da bruxuleante iluminação actual devido ao motor instalado por seu avô Francisco Trindade, quando intendente, no tempo do onça.
Leonço, ex-soldado da Polícia Militar, ex-jagunço, actualmente paisano e capenga – um tiro casual na zona, há vários anos – funcionário municipal, pau para toda a obra, de faxineiro a moço de recados, de guardião a jardineiro, surge na esquina, arrastando a perna: reclamam a presença de Ascânio na Prefeitura.
- Me desculpem, preciso de ir, sei de que se trata. Até logo.
- Até quinta, não é? Fico esperando – diz Leonora, os doces olhos.
- Quinta, sim. Mas, se me permitem, passo hoje à noite por casa de dona Perpétua para me despedir.
- Não precisa de pedir licença, venha sempre que quiser – convida Tieta.
- Venha mesmo. Sem falta – reforça a moça.
Na esquina da Praça, Ascânio volta-se, Leonora levanta a mão, acena, ele responde. Tieta se diverte:
- Já conquistou a Prefeitura, hei, cabrita? Rapaz simpático.
- Um amor… - resume Nora, a voz de enleio.
- Vamos à praia noutro dia, Mãezinha. Dona Perpétua tem razão, a missa é mais importante. – sorri para Perpétua – Mãezinha veio falando em Mangue Seco a viagem toda. Mas a missa é sagrada.
Muito bem, assim fala uma boa filha, mesmo sendo paulista, pouco atenta ao rigor do luto, aos prolongados ritos da morte, obrigatórios e rígidos em Agreste. Se Leonora se vestisse com decência, Perpétua só encontraria elogias a lhe fazer. Que necessidade tem de exibir o umbigo, que beleza existe num umbigo, pelo amor de Deus? Quem sabe, Peto poderia responder pois o olho apreciador vai e volta, das coxas para o umbigo, para a barriga de bilha, torneada.
- Tem razão, Nora. Continuo cabeçuda como uma cabra velha. Quando quero uma coisa não vejo nada à minha frente.
Iremos a Mangue Seco no outro fim-de-semana.
Conduzidas por Ricardo – vista a batina, acompanhe sua tia – foram à tarde conhecer a casa de Elisa. Barraco de pobre, mana, caro só o aluguel. Caro? Se fosse em São Paulo… Lá, para começar, só os multimilionários moram em casas, os demais vivem atulhados em apartamentos ou apodrecem em cortiços, sardinhas em lata. Em compensação, cada apartamento mais maravilhoso, não é? O de vocês, conte… Fica para depois, com tempo, agora precisamos ir. Não antes de comer uma fruta, um doce, tomar um cálice de licor senão me ofendo. Doce de araçá, raramente se faz, delicioso! Licor de jenipapo. O que eu vou engordar, meu Deus! Gulosa, de volta aos sabores da infância, Tieta repete a dose.
Na rua, encontram Ascânio Trindade. Por acaso ou de propósito, deixou ele a Prefeitura às moscas? Querem ir aonde? Tem um passeio bonito: ali adiante o rio se alarga e forma pequena bacia, reduto das lavadeiras, lugar lindo, chama-se Bacia de Catarina, nome certamente posto, por um literato, antepassado de Barbozinha. Ou por ele mesmo noutra encarnação. Hoje não, tem de visitar dona a Agência dos Correios, prometeram a Carmosina. Vão ao Aerópago? Ao quê? Aerópago, é o apelido de Giovani Guimarães, um jornalista da capital, botou na Agência dos Correios quando esteve em Agreste: ali se reúnem os sábios. Gozado! Leonora aberta em riso, cristal a romper-se nas ruas de Agreste.
Breve parada na porta do cinema para dizer boa tarde ao árabe Chalita – ainda se lembra de mim? Quem pode te esquecer, Tieta? Sorvete de Mangaba, Leonora não conhece, vai ver o que é bom. Hoje é de graça: o árabe se cobra lavando a vista em Tieta e na moça. Regala-se com a visão de mil e uma noites, sob o transparente tecido dos modelos, iluminados por um raio de sol. Combinação anágua? Isso não se usa mais, peças de museu. Sutiã? Para quê, se os seios são firmes, não precisam de armação de entretela a sustentá-los? Calçola? Minúsculo tapa sexo e basta. Viva a civilização e voltem sempre, suplica o árabe progressista.
Nas janelas, solteironas e mocinhas debruçam-se para enxergar melhor, observando cada passo, cada gesto, comentando os trajes. Você tinha coragem de usar? Eu? Acho que não. Pois eu teria se mamãe deixasse. Tieta trouxe para Elisa uma mini-saia mas ela ainda não se atreveu a estrear. Alvoroço na bar, a matilha nas portas, brechando. Até seu Manuel larga o balcão, também é filho de Deus. Leonora acha graça em tudo, soltos, o riso e os cabelos; Ascânio recolhe pela rua pedaços de cristal, recorda um verso ouvido não sabe: loira como um trigal maduro. Fica sabendo do adiamento da visita a Mangue Seco e é convidado para a missa pela alma do Comendador. Tieta deixa-o à vontade:
- Se não quiser, não vá. Essa história de missa de finado, só por obrigação. Aliás, Filipe tinha horror a tudo o que cheirasse a morte, defunto, cemitério, missa do sétimo dia. Pelo meu gosto ia a Mangue Seco. Mas Perpétua faz questão, paciência.
Ascânio não aprova nem desaprova, nessas divergências de opiniões entra as irmãs não dá palpite, mas quanto a ir à missa, isso com certeza:
- No próximo sábado? Comparecerei, sem falta. Já estarei de volta.
- Vai viajar? – surpreende-se Leonora.
- Para onde? – interessa-se Tieta.
- Vou a Paulo Afonso tratar do problema da luz. Estão colocando luz da Hidrelétrica nos municípios de toda essa zona do Estado, só deixaram de fora três cidades, uma delas é Agreste, uma discriminação sem justificativa, no meu entender. Estou vendo se consigo que voltem atrás e nosso município entre na relação dos beneficiados. Mandei ofícios para meio mundo, sem resultado. Alguns nem tiveram resposta. Decidi falar pessoalmente com o director da usina. Numa conversa cara a cara, quem sabe eu o convenço e deito abaixo essa injustiça.
- Vai demorar? – a pergunta de Leonora é um pedido: não demore, volte logo estou à espera. Assim dizem os olhos.
- Não, só dois dias. Pego a marinete amanhã, amanhã mesmo me toco de Esplanada para Paulo Afonso. Fico lá o dia de depois de amanhã, quinta-feira estou de volta. Talvez com uma boa notícia para Agreste.
Gosto de gente decidida como você – apoia Tieta: - Vá, brigue e convença o homem, traga essa luz que Agreste bem precisa.
- Vai conseguir! – exalta-se Leonora: - Vou ficar torcendo.
- Se eu já estava disposto a brigar, agora nem se fala.
Sente-se Ascânio armado cavaleiro andante, partindo para o campo de luta sob a inspiração da sua Dulcineia. Ao voltar vitorioso, tendo convencido os frios e distantes directores e técnicos da importância histórica e das possibilidades turísticas de Agreste, difícil tarefa, árdua batalha, colocará aos pés de Leonora o troféu conquistado: a refulgente luz da Hidrelétrica em substituição da bruxuleante iluminação actual devido ao motor instalado por seu avô Francisco Trindade, quando intendente, no tempo do onça.
Leonço, ex-soldado da Polícia Militar, ex-jagunço, actualmente paisano e capenga – um tiro casual na zona, há vários anos – funcionário municipal, pau para toda a obra, de faxineiro a moço de recados, de guardião a jardineiro, surge na esquina, arrastando a perna: reclamam a presença de Ascânio na Prefeitura.
- Me desculpem, preciso de ir, sei de que se trata. Até logo.
- Até quinta, não é? Fico esperando – diz Leonora, os doces olhos.
- Quinta, sim. Mas, se me permitem, passo hoje à noite por casa de dona Perpétua para me despedir.
- Não precisa de pedir licença, venha sempre que quiser – convida Tieta.
- Venha mesmo. Sem falta – reforça a moça.
Na esquina da Praça, Ascânio volta-se, Leonora levanta a mão, acena, ele responde. Tieta se diverte:
- Já conquistou a Prefeitura, hei, cabrita? Rapaz simpático.
- Um amor… - resume Nora, a voz de enleio.
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