Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 48
DA TRISTE VOLTA DO CAVALEIRO ANDANTE, ESCORRAÇADO, E DOS TELEGRAMAS ENVIADOS POR TIETA MOTIVANDO COMENTÁRIOS, HIPÓTESES E APOSTAS – PRECEDIDOS, VOLTA E TELEGRAMA, DO DIÁLOGO ENTRE OSNAR E DOUTOR CAIO VILASBOAS QUE POR FRASCÁRIO E INÚTIL NÃO DEVIA FIGURAR EM OBRA LITERÁRIA PRETENSAMENTE SÉRIA
Tieta e Leonora aguardam a chegada da marinete na Agência dos Correios. Esperar a marinete, assistir ao desembarque dos passageiros, é das mais excitantes diversões do Agreste.
Quando o atraso é grande, a espera torna-se por vezes enfadonha mas, em compensação, não se paga nada. Há sempre um grupo de vadios rondando a porta do cinema onde Jairo estaciona o glorioso veículo. Outros ficam de tocaia no bar, os ilustres batem papo com dona Carmosina.
Elisa veio encontrá-las na Agência, muito excitada, querendo saber se dona Carmosina estava a par do acontecido entre Osnar e doutor Caio Vilasboas; na véspera Astério a acordara para lhe contar o escabroso diálogo. Esse Osnar não passa de um patife, não respeita ninguém: afinal doutor Caio é médico, possui terras e rebanhos, é compadre da Senhora de Sant’Ana, madrinha da sua filha Ana, cidadão de idade, devoto e respeitável. Dona Carmosina está a par, é claro. Aminthas, testemunha do encontro, amanhecera em casa de dona Milú; relatara, palavra por palavra, a conversação na madrugada. Pois bem, de tudo o que Osnar dissera, nada se compara, na opinião de dona Carmosina ao deboche final, pois esse doutor Caio é santo-de-pau-oco, minha filha, por fora Senhor São Bento, por dentro pão bolorento. Osnar é um porreta, de vez em quando lava a alma da gente.
Tieta interrompe a discussão, curiosa de saber de que conversa se trata, capaz de causar tanto riso, de provocar indignação e entusiasmo.
Dona Carmosina não se faz de rogada, capricha nos detalhes. Sucedera há dois dias, naquela noite em que Osnar e Aminthas ficaram até tarde em casa de Perpétua, saindo depois a mariscar nas ruas. Altas horas, quando voltaram da beira do rio, Osnar acompanhado de uma quenga de baixa extração, encontraram-se com o doutor Caio Vilasboas, um catão, vindo de atender à velha dona Raimunda, asmática incurável. Fosse algum pobre de Deus agonizando, o doutor não abandonaria o calor da cama, mas a velha dona Raimunda tinha dinheiro grosso, destinado em testamento a pagar a conta do médico quando o Senhor a chamasse ao seu seio.
Ao ver Osnar despedir-se da esfarrapada criatura, medonhosa, doutor Caio, psicólogo amador, abelhudo de nascença, não se conteve:
- Satisfaça-me, caro Osnar, a curiosidade, respondendo a uma pergunta que me permito fazer-lhe.
- Mande brasa, meu doutor, sou seu criado às ordens.
- Você é um rapaz endinheirado, já meio entrado em anos mas sendo solteiro ainda passa por rapaz, de boa família, com hábitos de asseio, tendo com que pagar cortesã de melhor nível, por que não frequenta a casa dirigida pela rapariga que atende por Zuleika Cinderela, onde, segundo me consta – lá estive na exercício sagrado da medicina e não como cliente – praticam esse infame comércio de mulheres limpas, de belo porte e figura amena, por que prefere essas imundas, essas bruxas?
- Primeiro permita, meu doutor, que eu lhe informe ser um dos fregueses prediletos das meninas da casa de Zuleika e da própria patroa, boa de rabo. Parte sensível da minha renda se esvai naquele antro. É certo, porém, que não desprezo um bucho quando saio de caçada, vez por outra. Alguns, devo confessar bastante deteriorados.
- E por quê? Deixe que eu lhe diga tratar-se de apaixonante problema de psicologia digno de memória dirigida à Sociedade de Medicina Psiquiátrica.
- Vou-lhe dizer por que, meu doutor, e escreva a razão se quiser, não me oponho. Se chamo um bucho aos peitos quando calha o motivo é não viciar o pau, o Padre-Mestre.
- Padre-Mestre?
- Foi o apelido que ele ganhou, dado por uma beata ainda passável com quem andei praticando umas sacanagens, meu doutor. Imagine se eu servisse ao Padre-Mestre somente pitéus finos, material de primeira, formosuras, perfumarias, e ele se acostumasse apenas a comer do bom e do melhor. De repente, um dia, por uma circunstância qualquer, dessas que acontecem quando a gente menos espera, me vejo obrigado a pegar um estrepe em más condições e o Padre-Mestre, viciado, se recusa, fica peruruca, brocha. Não lhe dou vício, vou comendo as bonitas e as feias e tem cada feia que vale mais do que um exército de bonitas porque uma coisa, meu doutor, é mulher para se ver e admirar a imagem e outra é o gosto da boceta.
Doutor Caio emudece, o queixo caído, Osnar conclui:
- De suas visitas profissionais à pensão de Zuleika, ouvi falar; Sílvia Sabiá me contou muito em segredo que chuparino igual a vosmicê não há por essas bandas. Meus sinceros parabéns.
Enquanto riem as quatro – esse Osnar é de morte! – buzina na curva a marinete, naquela quinta feira por milagre quase no horário, desprezível atraso de vinte minutos, Jairo recebendo felicitações dos passageiros.
EPISÓDIO Nº 48
DA TRISTE VOLTA DO CAVALEIRO ANDANTE, ESCORRAÇADO, E DOS TELEGRAMAS ENVIADOS POR TIETA MOTIVANDO COMENTÁRIOS, HIPÓTESES E APOSTAS – PRECEDIDOS, VOLTA E TELEGRAMA, DO DIÁLOGO ENTRE OSNAR E DOUTOR CAIO VILASBOAS QUE POR FRASCÁRIO E INÚTIL NÃO DEVIA FIGURAR EM OBRA LITERÁRIA PRETENSAMENTE SÉRIA
Tieta e Leonora aguardam a chegada da marinete na Agência dos Correios. Esperar a marinete, assistir ao desembarque dos passageiros, é das mais excitantes diversões do Agreste.
Quando o atraso é grande, a espera torna-se por vezes enfadonha mas, em compensação, não se paga nada. Há sempre um grupo de vadios rondando a porta do cinema onde Jairo estaciona o glorioso veículo. Outros ficam de tocaia no bar, os ilustres batem papo com dona Carmosina.
Elisa veio encontrá-las na Agência, muito excitada, querendo saber se dona Carmosina estava a par do acontecido entre Osnar e doutor Caio Vilasboas; na véspera Astério a acordara para lhe contar o escabroso diálogo. Esse Osnar não passa de um patife, não respeita ninguém: afinal doutor Caio é médico, possui terras e rebanhos, é compadre da Senhora de Sant’Ana, madrinha da sua filha Ana, cidadão de idade, devoto e respeitável. Dona Carmosina está a par, é claro. Aminthas, testemunha do encontro, amanhecera em casa de dona Milú; relatara, palavra por palavra, a conversação na madrugada. Pois bem, de tudo o que Osnar dissera, nada se compara, na opinião de dona Carmosina ao deboche final, pois esse doutor Caio é santo-de-pau-oco, minha filha, por fora Senhor São Bento, por dentro pão bolorento. Osnar é um porreta, de vez em quando lava a alma da gente.
Tieta interrompe a discussão, curiosa de saber de que conversa se trata, capaz de causar tanto riso, de provocar indignação e entusiasmo.
Dona Carmosina não se faz de rogada, capricha nos detalhes. Sucedera há dois dias, naquela noite em que Osnar e Aminthas ficaram até tarde em casa de Perpétua, saindo depois a mariscar nas ruas. Altas horas, quando voltaram da beira do rio, Osnar acompanhado de uma quenga de baixa extração, encontraram-se com o doutor Caio Vilasboas, um catão, vindo de atender à velha dona Raimunda, asmática incurável. Fosse algum pobre de Deus agonizando, o doutor não abandonaria o calor da cama, mas a velha dona Raimunda tinha dinheiro grosso, destinado em testamento a pagar a conta do médico quando o Senhor a chamasse ao seu seio.
Ao ver Osnar despedir-se da esfarrapada criatura, medonhosa, doutor Caio, psicólogo amador, abelhudo de nascença, não se conteve:
- Satisfaça-me, caro Osnar, a curiosidade, respondendo a uma pergunta que me permito fazer-lhe.
- Mande brasa, meu doutor, sou seu criado às ordens.
- Você é um rapaz endinheirado, já meio entrado em anos mas sendo solteiro ainda passa por rapaz, de boa família, com hábitos de asseio, tendo com que pagar cortesã de melhor nível, por que não frequenta a casa dirigida pela rapariga que atende por Zuleika Cinderela, onde, segundo me consta – lá estive na exercício sagrado da medicina e não como cliente – praticam esse infame comércio de mulheres limpas, de belo porte e figura amena, por que prefere essas imundas, essas bruxas?
- Primeiro permita, meu doutor, que eu lhe informe ser um dos fregueses prediletos das meninas da casa de Zuleika e da própria patroa, boa de rabo. Parte sensível da minha renda se esvai naquele antro. É certo, porém, que não desprezo um bucho quando saio de caçada, vez por outra. Alguns, devo confessar bastante deteriorados.
- E por quê? Deixe que eu lhe diga tratar-se de apaixonante problema de psicologia digno de memória dirigida à Sociedade de Medicina Psiquiátrica.
- Vou-lhe dizer por que, meu doutor, e escreva a razão se quiser, não me oponho. Se chamo um bucho aos peitos quando calha o motivo é não viciar o pau, o Padre-Mestre.
- Padre-Mestre?
- Foi o apelido que ele ganhou, dado por uma beata ainda passável com quem andei praticando umas sacanagens, meu doutor. Imagine se eu servisse ao Padre-Mestre somente pitéus finos, material de primeira, formosuras, perfumarias, e ele se acostumasse apenas a comer do bom e do melhor. De repente, um dia, por uma circunstância qualquer, dessas que acontecem quando a gente menos espera, me vejo obrigado a pegar um estrepe em más condições e o Padre-Mestre, viciado, se recusa, fica peruruca, brocha. Não lhe dou vício, vou comendo as bonitas e as feias e tem cada feia que vale mais do que um exército de bonitas porque uma coisa, meu doutor, é mulher para se ver e admirar a imagem e outra é o gosto da boceta.
Doutor Caio emudece, o queixo caído, Osnar conclui:
- De suas visitas profissionais à pensão de Zuleika, ouvi falar; Sílvia Sabiá me contou muito em segredo que chuparino igual a vosmicê não há por essas bandas. Meus sinceros parabéns.
Enquanto riem as quatro – esse Osnar é de morte! – buzina na curva a marinete, naquela quinta feira por milagre quase no horário, desprezível atraso de vinte minutos, Jairo recebendo felicitações dos passageiros.
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