Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 49
Tieta, Leonora e Elisa preparam-se para ir ao encontro de Ascânio, mas ele salta à frente de todos e se afasta no caminho de casa, em marcha batida.
- Vai tomar banho. Depois de viajar na marinete de Jairo ninguém pode fazer nada sem gastar água e sabão. Muito menos ver a criatura dos seus sonhos… - esclarece dona Carmosina: - Daqui a pouco bate por aqui.
Demoraram-se na Agência dos Correios, à espera. Aminthas vem juntar-se ao grupo, comentam o diálogo já agora histórico. Aminthas acrescenta o diálogo final: doutor Caio, lívido na madrugada, querendo falar sem poder, os olhos fuzilando. Osnar e ele, Aminthas, saíram de mansinho, não fosse ele ter um ataque de apoplexia.
O tempo passa, Barbozinha surge, traz uma rosa na mão, uma rosa chá. Ao ver Tieta estende-lhe a flor.
- Colhi para você, no jardim de dona Milú, ia levá-la a casa de Perpétua mas os meus guias dirigiram-me os passos para aqui. Pena não ter mais três para homenagear todas as presentes.
- E Ascânio, vai aparecer ou não? – interroga Elisa, cansada de esperar.
Leonora, a criatura dos sonhos de Ascânio, na opinião de dona Carmosina, aguarda em silêncio, olhos postos na rua. Nem sinal de Secretário de Prefeitura, de cavaleiro andante, limpo ou empoeirado. O jeito é mandar chamar. O moleque Sabino, requisitado, abandona a sorveteria, vai correndo com o recado para Ascânio; esperam-no impaciente na Agência dos Correios, venha rápido. Para matar o tempo vão tomar sorvete de cajá, servido pelo próprio árabe. Amanhã será de pitanga, difícil saber qual o mais gostoso. Voltem para comparar e decidir.
Finalmente desponta na esquina o caleiro andante, o passo lento, a face descomposta, Cavaleiro da Triste Figura. Mesmo antes de ele subir o degrau da porta da Agência dos Correios todos se dão conta da derrota do campeão de Agreste na batalha travada em Paulo Afonso. Os destroços do guerreiro, o fracasso da missão, o rosto em luto, sepulcral.
- Negativo, não foi, pergunta Aminthas – Eu avisei. Não havia nenhuma possibilidade. Ainda bem que o motor vai aguentando: quando pifar voltaremos ao fifó.
- Não se importe – disse Leonora, você fez o que pôde. Cumpriu o seu dever.
- Foi horrível, humilhante. O director da Companhia, o que fica permanente em Paulo Afonso, nem queria me receber. Tive que pedir e suplicar e por fim me atendeu. Nem comecei a expor, me cortou a palavra. Não podia perder tempo, esse assunto do Agreste estava encerrado, não havendo nenhuma possibilidade de instalação da luz da usina no município.
A Prefeitura não recebeu o memorando, negando o pedido? Então? Não adiantava falar com os técnicos, Agreste tem de esperar sua vez e não vai ser tão cedo, daqui a alguns anos, quando levarmos força e luz aos últimos recantos dos Estados servidos pela Hidrelétrica. Agora, impossível, meu caro. Não adianta argumentos, deixe-me trabalhar, meu tempo é precioso.
Ascânio suspende o relato, abana as mãos. Onde o entusiasmo, o ânimo de luta? Evaporaram-se, rolaram na cachoeira, esmagados pelo director da Companhia.
- No fim ainda me gozou. Tem uma única maneira, disse. Obtenha uma ordem do Presidente da Companhia do Vale de São Francisco, do presidente, não de um director igual a mim, mandando instalar luz em Agreste e no dia seguinte lá estaremos. Passe bem. Riu e me voltou as costas.
Um silêncio pesado cai sobre a Agência dos Correios. A primeira a abrir a boca, dona Carmosina:
- Filho da mãe! É por isso que eu sou contra essa gente.
Leonora aproxima-se de Ascânio:
- Não se aflija tanto, tudo no mundo tem jeito – os doces olhos plenos de ternura.
Tieta levanta-se da cadeira onde ouvira em silêncio.
- Quem é o presidente, Ascânio e o que é essa mesma Companhia! Me ilumine o pensamento.
Ascânio, ainda sem graça, deprimido, explica o que é a Companhia do Vale de São Francisco, a importância da Hidrelétrica de Paulo Afonso, termina citando o nome do deputado que exerce a Presidência da grande empresa estatal, aquele que manda e decide, o único a poder mudar planos estabelecidos. Mas como atingi-lo? Impossível. Quem tem razão é Aminthas: mais do que importância económica, falta a Agreste o prestígio de um grande chefe, alguém cujo pedido seja uma ordem.
Tieta repete o nome do deputado:
- Já ouvi falar mas não conheço pessoalmente. Mas, em São Paulo, não tem político importante com quem eu me dê – esclarece – Todos amigos de Filipe, todos frequentam minha casa. Carmô, Ascânio me ajudem a redigir um telegrama. Ou melhor, dois.
Pronuncia nomes ilustres, manda chuvas em São Paulo e no país. Dona Carmosina escreve. Tieta pede que intervenham a favor do Agreste junto ao presidente da Companhia do Vale de São Francisco, seguem-se as razões detalhadas por Ascânio mas a principal é o interesse de Antonieta, o favor que lhe farão e ela ficará devendo.
- Telegrama enorme – observa dona Carmosina – vai custar uma nota.
- A Prefeitura paga – adianta-se Ascânio.
- Quem paga sou eu, meu filho, que estou enviando. Carmô assine Tieta do Agreste. Os amigos mais íntimos me tratam assim, era como Filipe gostava de me chamar.
Ainda não haviam retornado a casa de Perpétua e já a notícia dos telegramas abalava a cidade – dona Antonieta Esteves Cantarelli telegrafara a um senador paulista e ao próprio Ademar, amigos do peito do falecido Comendador, pedindo a instalação em Agreste da luz de Paulo Afonso. Os comentários cívicos cobrem os ecos do fescenino diálogo sobre os hábitos sexuais de Osnar; se as mensagens telegráficas não resultarem em iluminação feérica, já terão servido à moral pública.
Sucedem-se as hipóteses; possui a viúva realmente tanto prestígio, conhece, trata, é íntima de senadores e governadores ou está fazendo farol? Qual o resultado: luz ou trevas? Até apostas são feitas. Fidélio bota dinheiro no sucesso, Aminthas continua pessimista, por que esses lordes de São Paulo se hão de mover por agreste, o cu do mundo? Dobra a aposta Fidélio.
Por quê? Tieta poderia responder que se moverão exactamente por serem lordes e ela a Tieta do Agreste.
Tieta, Leonora e Elisa preparam-se para ir ao encontro de Ascânio, mas ele salta à frente de todos e se afasta no caminho de casa, em marcha batida.
- Vai tomar banho. Depois de viajar na marinete de Jairo ninguém pode fazer nada sem gastar água e sabão. Muito menos ver a criatura dos seus sonhos… - esclarece dona Carmosina: - Daqui a pouco bate por aqui.
Demoraram-se na Agência dos Correios, à espera. Aminthas vem juntar-se ao grupo, comentam o diálogo já agora histórico. Aminthas acrescenta o diálogo final: doutor Caio, lívido na madrugada, querendo falar sem poder, os olhos fuzilando. Osnar e ele, Aminthas, saíram de mansinho, não fosse ele ter um ataque de apoplexia.
O tempo passa, Barbozinha surge, traz uma rosa na mão, uma rosa chá. Ao ver Tieta estende-lhe a flor.
- Colhi para você, no jardim de dona Milú, ia levá-la a casa de Perpétua mas os meus guias dirigiram-me os passos para aqui. Pena não ter mais três para homenagear todas as presentes.
- E Ascânio, vai aparecer ou não? – interroga Elisa, cansada de esperar.
Leonora, a criatura dos sonhos de Ascânio, na opinião de dona Carmosina, aguarda em silêncio, olhos postos na rua. Nem sinal de Secretário de Prefeitura, de cavaleiro andante, limpo ou empoeirado. O jeito é mandar chamar. O moleque Sabino, requisitado, abandona a sorveteria, vai correndo com o recado para Ascânio; esperam-no impaciente na Agência dos Correios, venha rápido. Para matar o tempo vão tomar sorvete de cajá, servido pelo próprio árabe. Amanhã será de pitanga, difícil saber qual o mais gostoso. Voltem para comparar e decidir.
Finalmente desponta na esquina o caleiro andante, o passo lento, a face descomposta, Cavaleiro da Triste Figura. Mesmo antes de ele subir o degrau da porta da Agência dos Correios todos se dão conta da derrota do campeão de Agreste na batalha travada em Paulo Afonso. Os destroços do guerreiro, o fracasso da missão, o rosto em luto, sepulcral.
- Negativo, não foi, pergunta Aminthas – Eu avisei. Não havia nenhuma possibilidade. Ainda bem que o motor vai aguentando: quando pifar voltaremos ao fifó.
- Não se importe – disse Leonora, você fez o que pôde. Cumpriu o seu dever.
- Foi horrível, humilhante. O director da Companhia, o que fica permanente em Paulo Afonso, nem queria me receber. Tive que pedir e suplicar e por fim me atendeu. Nem comecei a expor, me cortou a palavra. Não podia perder tempo, esse assunto do Agreste estava encerrado, não havendo nenhuma possibilidade de instalação da luz da usina no município.
A Prefeitura não recebeu o memorando, negando o pedido? Então? Não adiantava falar com os técnicos, Agreste tem de esperar sua vez e não vai ser tão cedo, daqui a alguns anos, quando levarmos força e luz aos últimos recantos dos Estados servidos pela Hidrelétrica. Agora, impossível, meu caro. Não adianta argumentos, deixe-me trabalhar, meu tempo é precioso.
Ascânio suspende o relato, abana as mãos. Onde o entusiasmo, o ânimo de luta? Evaporaram-se, rolaram na cachoeira, esmagados pelo director da Companhia.
- No fim ainda me gozou. Tem uma única maneira, disse. Obtenha uma ordem do Presidente da Companhia do Vale de São Francisco, do presidente, não de um director igual a mim, mandando instalar luz em Agreste e no dia seguinte lá estaremos. Passe bem. Riu e me voltou as costas.
Um silêncio pesado cai sobre a Agência dos Correios. A primeira a abrir a boca, dona Carmosina:
- Filho da mãe! É por isso que eu sou contra essa gente.
Leonora aproxima-se de Ascânio:
- Não se aflija tanto, tudo no mundo tem jeito – os doces olhos plenos de ternura.
Tieta levanta-se da cadeira onde ouvira em silêncio.
- Quem é o presidente, Ascânio e o que é essa mesma Companhia! Me ilumine o pensamento.
Ascânio, ainda sem graça, deprimido, explica o que é a Companhia do Vale de São Francisco, a importância da Hidrelétrica de Paulo Afonso, termina citando o nome do deputado que exerce a Presidência da grande empresa estatal, aquele que manda e decide, o único a poder mudar planos estabelecidos. Mas como atingi-lo? Impossível. Quem tem razão é Aminthas: mais do que importância económica, falta a Agreste o prestígio de um grande chefe, alguém cujo pedido seja uma ordem.
Tieta repete o nome do deputado:
- Já ouvi falar mas não conheço pessoalmente. Mas, em São Paulo, não tem político importante com quem eu me dê – esclarece – Todos amigos de Filipe, todos frequentam minha casa. Carmô, Ascânio me ajudem a redigir um telegrama. Ou melhor, dois.
Pronuncia nomes ilustres, manda chuvas em São Paulo e no país. Dona Carmosina escreve. Tieta pede que intervenham a favor do Agreste junto ao presidente da Companhia do Vale de São Francisco, seguem-se as razões detalhadas por Ascânio mas a principal é o interesse de Antonieta, o favor que lhe farão e ela ficará devendo.
- Telegrama enorme – observa dona Carmosina – vai custar uma nota.
- A Prefeitura paga – adianta-se Ascânio.
- Quem paga sou eu, meu filho, que estou enviando. Carmô assine Tieta do Agreste. Os amigos mais íntimos me tratam assim, era como Filipe gostava de me chamar.
Ainda não haviam retornado a casa de Perpétua e já a notícia dos telegramas abalava a cidade – dona Antonieta Esteves Cantarelli telegrafara a um senador paulista e ao próprio Ademar, amigos do peito do falecido Comendador, pedindo a instalação em Agreste da luz de Paulo Afonso. Os comentários cívicos cobrem os ecos do fescenino diálogo sobre os hábitos sexuais de Osnar; se as mensagens telegráficas não resultarem em iluminação feérica, já terão servido à moral pública.
Sucedem-se as hipóteses; possui a viúva realmente tanto prestígio, conhece, trata, é íntima de senadores e governadores ou está fazendo farol? Qual o resultado: luz ou trevas? Até apostas são feitas. Fidélio bota dinheiro no sucesso, Aminthas continua pessimista, por que esses lordes de São Paulo se hão de mover por agreste, o cu do mundo? Dobra a aposta Fidélio.
Por quê? Tieta poderia responder que se moverão exactamente por serem lordes e ela a Tieta do Agreste.
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