Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 53
Os pobres, inumeráveis, vêm a qualquer hora, não passam da sala de jantar; a de visitas, Perpétua, reserva aos graúdos. Cada pobre, uma história triste, uma súplica, um pedido. A fama da riqueza e da generosidade de Tieta alastra-se como erva ruim, veleja nas águas do rio, viaja nos lombos dos burros, alcança as fronteiras de Sergipe. Perpétua franze a testa, não tolera abusos nem esbanjamentos.
- Não posso ver ninguém necessitado, passando fome – declara Tieta.
- Sei o que é precisão, dói em minha carne.
Perpétua, apesar da chaleirice, não se contém:
- Não digo que não ajude um ou outro infeliz. Margarida, que o marido largou na cama, de barriga aberta, vá lá, não pode trabalhar. Calo minha boca. Mas David, um batoteiro, cabra ruim que nunca pegou no pesado, não merece esmola. Só sabe beber cachaça e roncar na beira do rio. É até pecado ajudar a preguiça, a vagabundagem. O melhor benefício que se pode prestar a essa gente é rezar por eles, pedir a Deus que lhes indique o bom caminho. Quem mais pratica a caridade sou eu: rezo por eles todas as noites. Ainda ontem você deu dinheiro a Didinha. Uma perdida com aquele renque de filhos, cada um de um pai e ainda por cima uma ladrona. Dona Aída teve pena, tomou de empregada, pegou roubando na dispensa…
- Feijão para dar aos filhos, Perpétua tenha piedade. Havia de deixar os pobrezinhos morrerem de fome?
- Não os tivesse. Na hora de deitar com o primeiro que aparece não pensa no futuro, só na descaração, Deus me perdoe – a voz sibilina em nojo e reprovação.
- Nessa hora, Perpétua, ninguém pensa em nada, não é? Não dá mesmo… - ri Antonieta – Você foi casada, sabe disso, não sabe? – espia a irmã, um sorriso de galhofa.
- O dinheiro é seu, faz com ele o que quiser, não tenho nada com isso. Mas que me dá pena esse desperdício, me dá, não nego.
- Lá isso é, minha filha. Uns aproveitadores. Sabem de seu bom coração, abusam. Por mim metia eles todos na cadeia, é o que merecem. – Zé Esteves, por uma vez, de acordo com Perpétua.
Todas as manhãs o Velho passa para botar a bênção à filha pródiga: Deus te abençoe e aumente minha filha. Resmunga um Deus te dê a bênção para Perpétua, outro para Elisa, se a mais nova está presente. Relanceia o olhar pela sala onde conversam – numa rede na varanda, Leonora escuta os trinados do pássaro sofrê oferecido por Ascânio. Zé Esteves pousa o olhar em Perpétua, em Elisa, prossegue:
- Só querem lhe explorar. Todos. Sem excepção. Tome tento. Se você continuar de mão aberta, roubam tudo – refere-se aos pedintes? Os olhos em Perpétua, em Elisa, masca o naco de fumo de corda. – Não está vendo dona Zulmira, toda devota, vive na Igreja papando hóstia. Na hora de dizer quanto quer pela casa, como é para você pede um absurdo. Quem falou certo foi Modesto Pires: um roubo. Essa gente que vive metida na Igreja…
Perpétua faz que não ouve, contida pela presença de Tieta. O Velho está pondo as manguinhas de fora, pela vontade dele a filha rica não ajudaria sequer as irmãs, os sobrinhos. Velho ruim como a necessidade. Vive agora na perspectiva da mudança para casa confortável em rua decente, a ser adquirida por Tieta para os dias da velhice. Enquanto ela não vier, Zé Esteves e Tonha desfrutarão sozinhos, isso já está assentado. Não será tão breve que Antonieta, guapa, transbordante de vida, deixará o fausto de São Paulo para enterrar-se em Agreste. É muito mulher para casar de novo e aí então não virá nunca.
Nesse caso Zé Esteves ficará de dono, refastelado, de papo para o ar, com criada para cuidar para cuidar da casa, mesada larga, tendo de um tudo, que encomendou a Deus. Fazendo economia, pode até pensar em adquirir um pedacinho de terra e um par de cabras e recomeçar a criação. No mundo, não há coisa melhor e mais bonita do que um rebanho de cabras nos oiteiros.
EPISÓDIO Nº 53
Os pobres, inumeráveis, vêm a qualquer hora, não passam da sala de jantar; a de visitas, Perpétua, reserva aos graúdos. Cada pobre, uma história triste, uma súplica, um pedido. A fama da riqueza e da generosidade de Tieta alastra-se como erva ruim, veleja nas águas do rio, viaja nos lombos dos burros, alcança as fronteiras de Sergipe. Perpétua franze a testa, não tolera abusos nem esbanjamentos.
- Não posso ver ninguém necessitado, passando fome – declara Tieta.
- Sei o que é precisão, dói em minha carne.
Perpétua, apesar da chaleirice, não se contém:
- Não digo que não ajude um ou outro infeliz. Margarida, que o marido largou na cama, de barriga aberta, vá lá, não pode trabalhar. Calo minha boca. Mas David, um batoteiro, cabra ruim que nunca pegou no pesado, não merece esmola. Só sabe beber cachaça e roncar na beira do rio. É até pecado ajudar a preguiça, a vagabundagem. O melhor benefício que se pode prestar a essa gente é rezar por eles, pedir a Deus que lhes indique o bom caminho. Quem mais pratica a caridade sou eu: rezo por eles todas as noites. Ainda ontem você deu dinheiro a Didinha. Uma perdida com aquele renque de filhos, cada um de um pai e ainda por cima uma ladrona. Dona Aída teve pena, tomou de empregada, pegou roubando na dispensa…
- Feijão para dar aos filhos, Perpétua tenha piedade. Havia de deixar os pobrezinhos morrerem de fome?
- Não os tivesse. Na hora de deitar com o primeiro que aparece não pensa no futuro, só na descaração, Deus me perdoe – a voz sibilina em nojo e reprovação.
- Nessa hora, Perpétua, ninguém pensa em nada, não é? Não dá mesmo… - ri Antonieta – Você foi casada, sabe disso, não sabe? – espia a irmã, um sorriso de galhofa.
- O dinheiro é seu, faz com ele o que quiser, não tenho nada com isso. Mas que me dá pena esse desperdício, me dá, não nego.
- Lá isso é, minha filha. Uns aproveitadores. Sabem de seu bom coração, abusam. Por mim metia eles todos na cadeia, é o que merecem. – Zé Esteves, por uma vez, de acordo com Perpétua.
Todas as manhãs o Velho passa para botar a bênção à filha pródiga: Deus te abençoe e aumente minha filha. Resmunga um Deus te dê a bênção para Perpétua, outro para Elisa, se a mais nova está presente. Relanceia o olhar pela sala onde conversam – numa rede na varanda, Leonora escuta os trinados do pássaro sofrê oferecido por Ascânio. Zé Esteves pousa o olhar em Perpétua, em Elisa, prossegue:
- Só querem lhe explorar. Todos. Sem excepção. Tome tento. Se você continuar de mão aberta, roubam tudo – refere-se aos pedintes? Os olhos em Perpétua, em Elisa, masca o naco de fumo de corda. – Não está vendo dona Zulmira, toda devota, vive na Igreja papando hóstia. Na hora de dizer quanto quer pela casa, como é para você pede um absurdo. Quem falou certo foi Modesto Pires: um roubo. Essa gente que vive metida na Igreja…
Perpétua faz que não ouve, contida pela presença de Tieta. O Velho está pondo as manguinhas de fora, pela vontade dele a filha rica não ajudaria sequer as irmãs, os sobrinhos. Velho ruim como a necessidade. Vive agora na perspectiva da mudança para casa confortável em rua decente, a ser adquirida por Tieta para os dias da velhice. Enquanto ela não vier, Zé Esteves e Tonha desfrutarão sozinhos, isso já está assentado. Não será tão breve que Antonieta, guapa, transbordante de vida, deixará o fausto de São Paulo para enterrar-se em Agreste. É muito mulher para casar de novo e aí então não virá nunca.
Nesse caso Zé Esteves ficará de dono, refastelado, de papo para o ar, com criada para cuidar para cuidar da casa, mesada larga, tendo de um tudo, que encomendou a Deus. Fazendo economia, pode até pensar em adquirir um pedacinho de terra e um par de cabras e recomeçar a criação. No mundo, não há coisa melhor e mais bonita do que um rebanho de cabras nos oiteiros.
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