segunda-feira, agosto 10, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 202






E ainda há quem fale mal da grande indústria, reflecte Ascânio, revoltado com as injustiças do mundo. Percorre com o olhar os curiosos, constata a admiração geral. Caloca, dono do Bar Elite, cacete armado onde vende cachaça no Beco da Amargura, sintetiza a opinião geral:

- Porreta! Vá trabalhar depressa assim na puta que o pariu!

Vitorioso, o coração aos pulos, o secretário da Prefeitura de Agreste retira-se para tomar outras providências. Passa na pensão de dona Amorzinho, encomenda comida para toda a equipa. Ele e mais três virão almoçar na sala da pensão, os trabalhadores comerão no próprio local de trabalho – faça um bom feijão e cabrito assado. Quem paga é a Prefeitura, não vá cobrar aos homens. Dirige-se a seguir, à casa de Perpétua para contar as novidades a Leonora, comunicar-lhe a inesperada ida à capital. Dar-se-á ela conta da importância dessa viagem que poderá transformar o namoro sem perspectivas, um sonho absurdo, em exaltante realidade de noivado e casamento? Voltará trazendo o requerimento da Brastânio dirigido à Prefeitura, solicitando autorização para se instalar em Agreste. Somente isso? O horizonte é amplo em sua frente.

Em companhia de Ascânio, ao meio-dia, os dois engenheiros e o fiscal da obra comem o melhor almoço de suas vidas: pitus fritos, aferventados, escalfados com ovos, moqueca de peixe, galinha de molho pardo, cabrito assado, carne-de-sol com pirão de leite. Doces de sabores raros: de jaca, carambola, groselha, araça mirim. Passas de caju e jenipapo. Refrescos de mangaba e de cajá. O sorumbático engenheiro-chefe comeu tanto, com tal disposição, a ponto de aflorar-lhe às faces desbotadas um ar de viço. Deixando o calçamento por conta do colega, estende-se numa rede para só acordar no fim da tarde, a tempo de assistir à conclusão dos trabalhos.

Quando, depois da bóia, a marinete de Jairo buzinou na curva, os operários ainda no prazer do feijão e da cerveja – o feijão de dona Amorzinho, não um feijão qualquer – acabavam de passar a primeira camada de piche grosso e reluzente sobre o aplainado terreno. Retiraram os cavaletes para abrir caminho à resfolegante viatura, saudando-a com assobios e dichotes: ferro-velho, calhambeque podre, sobra de guerra, lixo; imensa vaia a acompanha.

Por volta das seis horas, maleta em punho, Ascânio aparece, de braço dado com Leonora. O calçamento chega ao fim. Brilha o betume, húmido e negro. Saindo do carro químico, um tubo asperge uma última camada de asfalto fino. Está pronta para ser inaugurada, a Rua Antonieta Esteves Cantarelli.

Caloca aproxima-se de Ascânio, pede, provocando risos:

- Seu Ascânio, aproveite e mande eles calçar o meu beco, fazem num minuto.

Ainda sonolento, o engenheiro Remo Quarantini ordena a partida, que almoço! Ascânio despede-se de Leonora, beijando-a na face diante da multidão. Deixa-a junto de dona Carmosina, na primeira fila dos curiosos. Não resiste e provoca a adversária e amiga:

- Conheceu, papuda?

Não espera a resposta. O engenheiro no jipe, pede pressa, toca a busina. De agora em diante
faz-se necessário correr, terminaram-se os tempos de leseira. De leseira ou de lazer?

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