quarta-feira, outubro 28, 2009


TIETA DO
AGRESTE

EPISÒDIO Nº 270




ONDE A FORMOSA LEONORA CONHECE FINALMENTE OS ESCONSOS DO RIO



Leonora se dá conta, confusamente, dos sentimentos de Ascânio. Nas agruras da vida nunca tratou com homem parecido com ele e teme magoá-lo, desiludi-lo, perdê-lo. Intimida-se sem coragem para defender o tempo medido que lhe resta.

Primeiro, o rapaz a julgara moça donzela, casta filha de família, de esmerada educação, riquíssima, à espera de casamento condizente com sua situação social. Depois, Mãezinha, inventara aquela história do noivo calhorda, desmascarado antes de abiscoitar os cobres da milionária mas depois de lhe ter papado os tampos. Para converter em audácia o acanhamento de Ascânio, colocando a seu alcance paulista evoluída, sem preconceitos provincianos nem exaltado xodó, lírico e ardente, agradável passatempo de férias. Mãezinha a trouxera na viagem para curar – lhe o peito e o coração. No sertão irás respirar ar puro e apreciar o prazer de um amor romântico, desses que deixam a gente pejada de saudade. Sabes lá o que é trepar ouvindo versos? Só mesmo em Agreste, cabrita. Ar puro para os pulmões debilitados pela poluição da metrópole, sentimento para o coração crestado pela aridez e violência. Carga de saudade para as horas de solidão.

A trama de Mãezinha obtivera êxito apenas parcial. Ascânio continuou a imaginá-la ingénua filha de família, ainda mais digna e necessitada de respeito por enganada e sofrida. Enganada, sim, meu amor, sofrida por demais. Mas, ai! Não ingénua filha de família, digna de respeito. O segredo não lhe pertence, não pode abrir a boca e dizer: leva-me para a cama sem vacilar, nada te peço, nada mereço, sou mulher da vida, uma qualquer. Uma infeliz. Além dos fregueses, esses não contam, tive outros homens antes de ti, mas somente agora, aqui em Agreste, amei como se deve amar. Eu te amo, quero ser tua e quero que sejas meu. Por quanto tempo, não importa!

Não pode contar a verdade, contudo nada a impede de estender-lhe os braços e pedir: vamos até à beira do rio, derruba-me no escuro, na sombra dos chorões. Agarra teu bode pelos chifres, ensinara Mãezinha. No alto dos cômoros, Leonora seguira o conselho. Dera-se bem.

Palmilhando a calçada da Praça da Matriz, no recorrido habitual dos namorados, fugazes apertos de mão, de olhares ternos, beijos rápidos, vendo o tempo passar sem que Ascânio se atreva, mais uma noite ameaçada de ir para o brejo, Leonora vence o receio, supera a inibição e se decide:

- A gente nunca sai daqui, da Praça. Eu tinha vontade de ir à Bacia de Catarina. É um passeio tão bonito.

É bonito, sim, iremos um dia desses…

- Por que não vamos hoje?

- Não tem ninguém para nos fazer companhia.

- Companhia para quê? Quero ir contigo, nós dois.

- Sozinhos? – Acaricia-lhe a face – Agreste não é São Paulo, Nora. Amanhã teu nome estaria na boca do mundo.

Dando assunto por encerrado, Ascânio volta a discorrer sobre seus projectos de administrador e as perspectivas abertas para o município com a vinda da Brastânio. Leonora escuta desatenta, ouvindo ressoar ao longe a voz de Mãezinha: agarra teu bode pelos chifres, cabrita. Interrompe o passeio e o discurso:

- Tu me amas, Ascânio? De verdade?

- Duvidas? Eu…

- Então, porque foges de mim ou não te agradei?

- Fujo de ti? Não me agradaste? Não digas isso nunca mais. Eu te amo e não quero que falem mal de ti, entendes?

Leonora sorri e prossegue, mansa e firme:

- Entendo, sim, era o que eu pensava. Deixa que falem, não me importo, não tira pedaço – Toma-o pela mão: - me leva, amor, para a beira do rio. Lá onde tu quiseres, meu senhor.

Ascânio sente o suor escorrendo pelo corpo, pensamentos e sentimentos
se atropelam,
impossível ordená-los.

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