quinta-feira, outubro 29, 2009


TIETA DO
AGRESTE

EPISÓDIO Nº 271


DE COMO A PAZ FOI PERTURBADA POR UM SANTO HOMEM


Com o engenheiro e Budião, Ricardo saíra de canoa a pescar. Tieta descansa na rede quando percebe ruídos de passos na areia. Ergue o busto, um forasteiro se aproxima. Sem nunca tê-lo encontrado, reconhece frei Timóteo, coberto por um chapéu de palha, sorridente. Tieta corre a enfiar um vestido em cima do maiô. Volta a tempo de pedir a bênção ao franciscano.

- Dona Antonieta Cantarelli? Todos falam da senhora, eu não quis ir embora sem conhecê-la. Muito prazer.

- Eu também desejava muito conhecer o senhor. Meu sobrinho Ricardo diz que o senhor é um santo.

- Santo? – ri, achando graça – sou um pobre pecador. Onde anda Ricardo? Não o tenho visto nos últimos dias.

- Estava em Agreste ajudando padre Mariano, mas já voltou. Foi pescar, não tarda.

- É um bom menino. Deus há de lhe indicar o caminho certo. Se a senhora permite, vou esperá-lo para me despedir. Minhas férias terminaram, amanhã estarei de novo em São Cristóvão.

- A casa é sua. Vou buscar uma cadeira.

O frade recusou a cadeira, senta-se ao lado de Tieta na balaustrada da varanda, ainda por cima, ainda ágil apesar dos cabelos brancos. Os olhos postos nos cômoros:

- São Cristóvão é uma cidade antiga, bonita, os homens que a construíram honraram o senhor…

- Não conheço mas já ouvi falar.

- Nada, porém, se pode comparar a Mangue Seco. Esta região é privilegiada, é bela demais, um dom de Deus aos homens. Sei que a senhora tem feito o que pode para impedir o crime que querem cometer, instalando aqui uma fábrica de dióxido de titânio.

Tieta sente-se enrubescer. Não merece elogios. O Comandante a reclamar a sua presença em Agreste e ela ali no bem – bom, a regalar-se com o sobrinho.

- Não fiz nada ou quase nada. O Comandante Dário vive me pedindo para ir a Agreste dar uma ajuda mas vou ficando por aqui, aproveitando esta maravilha enquanto posso. Carmosina me acusa de egoísta mas, me diga, frei Timóteo, de que adianta eu me tocar para Agreste, pedir ao povo que assine contra a fábrica, que proteste? A fábrica termina por se instalar da mesma maneira, não depende de mim, nem de Carmô, nem do Comandante. Não tenho razão?

- Acho que não, dona Tieta. Permita que a trate assim, não? Dificilmente os protestos do povo de Agreste, sozinhos, poderão impedir a instalação da fábrica, é certo, mas podem ajudar. De qualquer maneira devemos fazer tudo que esteja ao nosso alcance para impedir o crime sem perguntar se vamos obter sucesso ou não – Uma breve pausa antes de acrescentar: - A senhora, quando entrou na lancha com Jonas e os pescadores, não perguntou se valia pena.

Pegada de surpresa, Tieta tenta explicar:

- Lembrei meus tempos de menina levada, era doida por uma briga…

- Não estou julgando nem acusando, de que outra maneira poderão eles protestar? Mas a senhora tem muito como ajudar sem recorrer à violência. O povo de Agreste precisa ser esclarecido, uma palavra da senhora é capaz de convencer os indecisos. Deus nos confiou a guarda desses bens, nossa obrigação é defendê-los. Sem o que, estaremos sendo cúmplices dos criminosos: os índices de poluição dessa indústria são terríveis. Desculpe dona Antonieta eu falar assim mas pediu minha opinião…

Na infinita paz da tarde, a voz do frade, branda e fervorosa, o sorriso tímido e aliciador, perturbam Tieta. Não chega a responder – responder, o quê? – devido à aparição de Ricardo. Ao avistar o frade, o seminarista deixou o engenheiro para trás, surge correndo:

- Por aqui, frei Timóteo? Que surpresa!

- Vim me despedir, meu filho, e tive o prazer de conhecer e de conversar com dona Tieta. Regresso amanhã ao convento.

Carregando um samburá com peixe, o engenheiro se incorpora ao grupo:

- Também eu e Marta já estamos de malas arrumadas, temos apenas mais dois dias. Mangue Seco, agora, só para o ano, se para o ano já não tiver tudo podre por aqui. Quando penso nisso me dá uma revolta…

- Estávamos falando nesse assunto, dona Tieta e eu. Estão planejando um crime, um grande crime.

Ricardo acompanha o frade até à canoa. Frei Timóteo deita-lhe a bênção:

- Pessoas simpática, a sua tia. Sei quanto você a estima, vai sentir a sua falta. Quando ela for embora vá passar uns dias comigo, no convento.

Na cama, à noite, Tieta comenta a visita:

- Será que ele desconfia de nós os dois?

- Nunca deu a entender.

- Sabia da história das lanchas, me falou mas não repreendeu. Diabo de frade acabou com meu sossego.

- O quê?

- Com essa história que a gente tem obrigação a cumprir. Não quero sair daqui a não ser para a festa e o embarque…

Felipe costumava dizer que para se viver feliz era preciso antes de tudo abolir a consciência. Tu e os teus problemas de consciência, ainda te vais dar mal… prevenia ao sabê-la preocupada por causa de uma das meninas do Refúgio. Tieta prende Ricardo contra o peito, tentando
esquecer as palavras do frade, não percebe o vislumbre de esperança nos olhos do rapaz.

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