terça-feira, dezembro 15, 2009


TIETA DO


AGRESTE


EPISÓDIO Nº 305





- Trouxe este anel da Bahia para você, um anel de noivado. Para lhe entregar num dia especial, mas não vejo jeito de poder conversar sobre esse assunto com sua madrasta. Me diga, Nora, quer casar comigo?

Os olhos de Leonora presos ao anel, perfeito em seu dedo, jóia antiga. Pobre Ascânio, a julgá-la moça de família; quanto não lhe custara a prenda?

A voz quebrada, quase num sussurro:

- Não fale nisso…

- Em quê?

- Em noivado, em casamento. Não basta que eu seja tua?

Ascânio empalidece, a mão trémula despede-se da mão da moça:

- Não aceita? Eu devia saber. Rica como é, por que havia de querer casar comigo?

- Eu te amo Ascânio. Você é tudo para mim. Nunca amei ninguém antes. Os outros que eu conheci foram enganos meus.

- Foi o que eu pensei. Mas então, por que recusa?

- Não posso me casar contigo. Tenho motivos…

- Por ser fraca do peito? No clima daqui, fica curada num instante.

- Não, não sou doente, mas não posso.

- Já sei. Porque ela não consente, não é? Como é que sendo tão importante vai casar com um pé-rapado, ainda por cima metido a ter opinião própria…

- Mãezinha não se envolve nisso.

- Então, por quê?

Leonora cobre o rosto com as mãos, prendendo as lágrimas. Ascânio se exalta, o rosto convulso, o coração ferido:

- Um pobre diabo do sertão, sem eira nem beira… bom para uma aventura de férias, para mais nada. Para casar os ricaços de São Paulo.

- Não é nada disso, amor, não seja injusto. Eu te amo, sou doida por ti. Queres que eu seja tua amásia ou tua criada? Isso posso ser. Tua esposa, não.

- Mas por que diabo?

- Não posso contar, o segredo não é só meu…

Ascânio volta a segurar-lhe a mão, afaga-lhe os cabelos, beija-lhe os olhos húmidos:

- Não tem confiança em mim.

- Não sou rica, nem filha de Comendador, nem enteada de Mãezinha.

- Hein? Quem é você então?

Entre soluços, conta tudo. O bairro miserável, o cortiço, a fome, a sordidez, o trotoar, o Refúgio. Ascânio vai-se afastando, levanta-se, a máscara de espanto e morte, como pudera ser tão imbecil. Ouve siderado, bebe a taça de fel. Pior do que da primeira vez, quando soube por uma carta. A lama se derrama no quarto, encobre a cama, cresce em vaga imensa, a afogá-lo. Daquela boca que imaginara pura, inocente, escorre pus.

Leonora silencia, afinal. Eleva os olhos súplices para Ascânio, pronta para se oferecer novamente de amásia, de criada. Mas um urro lancinante, de animal ferido de morte, escapa da boca de Ascânio. Leonora compreende que tudo terminou, na face do amante enxerga apenas ódio e nojo. O dedo apontado para a rua:

- Fora daqui sua puta! Lugar de pegar macho é na rua.

Mesmo sem nada ter ouvido do conversado lá dentro, quando Leonora passa desvairada, em pranto, e se perde na noite, Rafa cospe, negra saliva:

- Tipa imunda.

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