quarta-feira, fevereiro 17, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS

EPISÓDIO Nº 47



Tocava dona Rozilda os cimos do poder, sentia o gosto sem igual da fama; Vadinho tocava os seios rijos de Flor no escuro da escada, sentia o gosto sem igual da boca sedenta e medrosa da moça, mordia-lhe os lábios. Revelava-lhe um mundo apenas suspeitado de prazeres proibidos, ganhando a cada noite de namoro uma parcela de sua resistência e de seu corpo, de pudor, da sua oculta emoção.

O desejo a consumia numa fogueira de altas labaredas, ardiam brasas em seu ventre mas Flor buscava conter-se e coibir-se. Sentindo-se, entretanto, dia a dia, menos dona da sua vontade, de recusa frágil, de relutância débil, submissa escrava do rapaz audacioso, que já se apoderara de quase todo o seu corpo queimado de uma febre sem remédio, ai, sem remédio.

Insolente, Vadinho! Não lhe declarara amor, não fizera praça de sentimentos apaixonados, não lhe pedira sequer autorização para namorá-la. Em vez de frases poéticas, de termos alambicados, ela ouvia duvidosos conceitos, insinuações mal intencionadas. Subindo a Ladeira do Alvo, na pista de Flor (cujo retorno da casa da tia Lita, no Rio Vermelho, dera-se dias após a festa de Pergentino), o petulante, ao ler o anúncio da Escola de Culinária, murmurou-lhe ao ouvido, num sussurro romântico de quem lhe fizesse inocente galanteio:

- Escola de Culinária Sabor e Arte… - Repetiu: - Sabor e Arte…

- Baixou a voz, o bigodinho roçando a orelha da moça: - Ah!, quero saborear-te… - não apenas um trocadilho de mau gosto mas também franco aviso das suas intenções, deslavada plataforma, claro programa de namoro.

Flor nunca tivera um namorado assim, tão diferente dos outros, nem imaginara namorar daquele jeito. Como não o mandou imediatamente embora?

Não era Flor uma dessas debochadas janeleiras, de idílio escandaloso nos cantos de rua, nos pés de escada, no esconso das portas. Jamais gaiato algum fora além de tímido beijo. Pedro Borges apenas aflorou-lhe a face, ela não admitia intimidades. Bastava o atrevido estender a mão na ousadia de tocá-la e Flor enchia-se de indignação e o expulsava, como a guardar-se por inteiro para aquele que realmente amasse. A esse, sim, nada recusaria e esse era Vadinho; eis porque não o despachou como aos outros, sem grosseria nem escândalo mas firme e inflexível.

Não o repeliu sequer da primeira vez e, no entanto, conheciam-se apenas a algumas horas, pois foi no domingo do Bando Anunciador, no dia seguinte ao da festa do Major Tiririca. Em companhia de amigas, viera Flor apreciar os blocos, Vadinho apareceu e encostou. As outras afastaram-se, entre risinhos, certamente chegara a hora da indispensável declaração. Elas vinham mesmo comentando o chamego do rapaz; não largara Flor sozinha na festa, seu par constante. Ia agora declarar-se, era um momento grave: cabia à moça logo conceder o sim ou pedir tempo para melhor reflexão, em geral vinte e quatro horas. Flor anunciara às amigas seu propósito de deixar Vadinho padecer uns dias mas as outras duvidaram, teria ela coragem para tanto?

Não abriu ele a boca para fazer declaração alguma, a conversa girou divertida em torno de motivos diversos, um doidivanas esse Vadinho! Dois animados blocos carnavalescos, em desafio, juntos se encontraram no oitão da Igreja de Sant’Ana e, aproveitando-se do atropelo estabelecido quando o povo acorreu a ali se comprimiu. Vadinho a apertou contra si, abraçando-a por detrás, cobrindo-lhe os seios com as mãos, beijando-lhe sôfrego o cangote. Ela estremeceu apenas, semicerrou os olhos, deixou-o fazer, quase morta de medo e de alegria.

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