DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
A presença do Delegado Auxiliar levou Thales Porto a comentar para dona Lita: nem tudo era balela na história tramada pelos capadócios para debicar de dona Rozilda. O parentesco de Vadinho com o importante Guimarães, isso pelo menos não era invenção.
Celebrou a cerimónia religiosa dom Clemente, capelão de Santa Tereza, graças a um pedido de dona Norma, Vadinho exibia a sua vistosa elegância de cabaré, Flor toda em azul e em sorrisos, os olhos baixos. Dona Norma não conseguira convencê-la a ir de branco, com véu e grinalda, a boba não tivera coragem. As alianças foram as de Mirandão, emprestadas na hora. Na véspera, no Tabaris, haviam feito uma colecta e juntado o dinheiro necessário para Vadinho pagar as alianças já escolhidas na joalheria de Renot. Meia hora mais tarde Vadinho perdeu até ao último tostão em casa de Três Duques. Ainda assim poderia tê-las obtido fiado, se as tivesse ido buscar. O joalheiro, se bem com fama de esperto, não conseguia resistir à lábia de Vadinho, por mais de uma vez lhe emprestara dinheiro. Tresnoitado, porém, o noivo dormira toda a manhã, seguindo às carreiras para o Rio Vermelho no táxi do Cigano.
Quando já deixavam a igreja, surgiu o banqueiro Celestino empunhando um ramalhete de violetas. Foi apresentado a Flor – dona Flor, a partir de agora, como compete a uma senhora casada. Beijou-lhe a mão, desculpou-se com o atraso, acabara de saber, acabara de saber, nem tivera tempo de comprar uma lembrança. Passou discreto uma cédula a Vadinho, os convidados a começar por Chimbo e dom Clemente, vinham pressurosos cumprimentar o manda-chuva português.
Os recém-casados despediram-se no pátio do convento, apenas dona Norma os acompanhou até à nova residência, em cuja fachada já fora suspensa a tabuleta da Escola Sabor e Arte. Na porta de casa, dona Flor convidou a vizinha:
- Entre para conversar um pouquinho…
Dona Norma riu, maliciosa:
- Só se eu fosse bronca… - apontou as nuvens escuras no mar – Está chegando a noite, é hora de dormir…
Vadinho concordara:
- Falou pouco e disse tudo, vizinha. Aliás, para esse assunto eu tenho disposição a qualquer hora, com sol ou de noite, não faço diferença e não cobro extraordinário… - abraçou dona Flor pela cintura, saiu andando com ela pelo corredor e, numa pressa, a ia desabotoando e despindo.
No quarto, derrubou-a em cima da colcha azul-hortênsia, arrancava-lhe combinação e calça. Dona Flor nua, estendida no leito, as primeiras sombras de crepúsculo caindo-lhe sobre os seios erguidos.
- T’esconjuro! – disse Vadinho – Essa coberta que tu arranjou, meu bem, parece mortalha de defunto. Tira isso da cama, minha peladinha, trás aquela de retalhos, em cima dela tu vai parecer ainda mais porreta. Essa a gente guarda para botar no prego, deve dar um dinheirão…
Sobre a colorida colcha de retalhos, muda seu recato, coberta apenas com a meia sombra do crepúsculo, dona Flor finalmente casada. Dona Flor com seu marido Vadinho: ela mesmo o escolhera sem dar ouvidos aos conselhos das pessoas experientes, contra a expressa vontade de sua mãe, e, mesmo antes de casar-se, a ele se entregara sabedora de quem ele era. Podia estar a fazer uma loucura, mas, se não a fizesse, não tinha motivo para viver. Um fogo a consumia, vindo da boca de Vadinho, de seu hálito, e seus dedos queimavam-lhe a carne como chamas. Agora casados, com todo o direito ele a despia, e a seu lado, no leito de ferro, a olhava a sorrir. Seu marido bonito, penugem doirada a cobrir-lhe braços e pernas, mata de pêlos loiros no peito, a cicatriz da navalhada no ombro esquerdo. Estendida junto a ele, dona Flor parecia uma negra, negra e pelada. Nua por dentro também, amargando de desejo, fremente, com pressa, muita pressa, como se Vadinho lhe despisse a alma. Ele dizia coisas, maluquices.
Vadiaram até mais não poder, quando ela então puxou da colcha, se cobriu, adormeceu. Vadinho sorriu e lhe catava o cafuné, Vadinho seu marido. Belo e másculo, terno e bom.
Pela madrugada dona Flor acordou, o despertador à cabeceira marcava duas horas da manhã. Vadinho não estava na cama, dona Flor pôs-se de pé, saiu a procurá-lo pela casa. Vadinho sumira, fora arriscar com certeza os cobres dados pelo banqueiro. Na própria noite de núpcias, era demais. Dona Flor chorou as primeiras lágrimas de casada, rolando no colchão, roída de desgosto, rangendo os dentes de desejo.
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 62
A presença do Delegado Auxiliar levou Thales Porto a comentar para dona Lita: nem tudo era balela na história tramada pelos capadócios para debicar de dona Rozilda. O parentesco de Vadinho com o importante Guimarães, isso pelo menos não era invenção.
Celebrou a cerimónia religiosa dom Clemente, capelão de Santa Tereza, graças a um pedido de dona Norma, Vadinho exibia a sua vistosa elegância de cabaré, Flor toda em azul e em sorrisos, os olhos baixos. Dona Norma não conseguira convencê-la a ir de branco, com véu e grinalda, a boba não tivera coragem. As alianças foram as de Mirandão, emprestadas na hora. Na véspera, no Tabaris, haviam feito uma colecta e juntado o dinheiro necessário para Vadinho pagar as alianças já escolhidas na joalheria de Renot. Meia hora mais tarde Vadinho perdeu até ao último tostão em casa de Três Duques. Ainda assim poderia tê-las obtido fiado, se as tivesse ido buscar. O joalheiro, se bem com fama de esperto, não conseguia resistir à lábia de Vadinho, por mais de uma vez lhe emprestara dinheiro. Tresnoitado, porém, o noivo dormira toda a manhã, seguindo às carreiras para o Rio Vermelho no táxi do Cigano.
Quando já deixavam a igreja, surgiu o banqueiro Celestino empunhando um ramalhete de violetas. Foi apresentado a Flor – dona Flor, a partir de agora, como compete a uma senhora casada. Beijou-lhe a mão, desculpou-se com o atraso, acabara de saber, acabara de saber, nem tivera tempo de comprar uma lembrança. Passou discreto uma cédula a Vadinho, os convidados a começar por Chimbo e dom Clemente, vinham pressurosos cumprimentar o manda-chuva português.
Os recém-casados despediram-se no pátio do convento, apenas dona Norma os acompanhou até à nova residência, em cuja fachada já fora suspensa a tabuleta da Escola Sabor e Arte. Na porta de casa, dona Flor convidou a vizinha:
- Entre para conversar um pouquinho…
Dona Norma riu, maliciosa:
- Só se eu fosse bronca… - apontou as nuvens escuras no mar – Está chegando a noite, é hora de dormir…
Vadinho concordara:
- Falou pouco e disse tudo, vizinha. Aliás, para esse assunto eu tenho disposição a qualquer hora, com sol ou de noite, não faço diferença e não cobro extraordinário… - abraçou dona Flor pela cintura, saiu andando com ela pelo corredor e, numa pressa, a ia desabotoando e despindo.
No quarto, derrubou-a em cima da colcha azul-hortênsia, arrancava-lhe combinação e calça. Dona Flor nua, estendida no leito, as primeiras sombras de crepúsculo caindo-lhe sobre os seios erguidos.
- T’esconjuro! – disse Vadinho – Essa coberta que tu arranjou, meu bem, parece mortalha de defunto. Tira isso da cama, minha peladinha, trás aquela de retalhos, em cima dela tu vai parecer ainda mais porreta. Essa a gente guarda para botar no prego, deve dar um dinheirão…
Sobre a colorida colcha de retalhos, muda seu recato, coberta apenas com a meia sombra do crepúsculo, dona Flor finalmente casada. Dona Flor com seu marido Vadinho: ela mesmo o escolhera sem dar ouvidos aos conselhos das pessoas experientes, contra a expressa vontade de sua mãe, e, mesmo antes de casar-se, a ele se entregara sabedora de quem ele era. Podia estar a fazer uma loucura, mas, se não a fizesse, não tinha motivo para viver. Um fogo a consumia, vindo da boca de Vadinho, de seu hálito, e seus dedos queimavam-lhe a carne como chamas. Agora casados, com todo o direito ele a despia, e a seu lado, no leito de ferro, a olhava a sorrir. Seu marido bonito, penugem doirada a cobrir-lhe braços e pernas, mata de pêlos loiros no peito, a cicatriz da navalhada no ombro esquerdo. Estendida junto a ele, dona Flor parecia uma negra, negra e pelada. Nua por dentro também, amargando de desejo, fremente, com pressa, muita pressa, como se Vadinho lhe despisse a alma. Ele dizia coisas, maluquices.
Vadiaram até mais não poder, quando ela então puxou da colcha, se cobriu, adormeceu. Vadinho sorriu e lhe catava o cafuné, Vadinho seu marido. Belo e másculo, terno e bom.
Pela madrugada dona Flor acordou, o despertador à cabeceira marcava duas horas da manhã. Vadinho não estava na cama, dona Flor pôs-se de pé, saiu a procurá-lo pela casa. Vadinho sumira, fora arriscar com certeza os cobres dados pelo banqueiro. Na própria noite de núpcias, era demais. Dona Flor chorou as primeiras lágrimas de casada, rolando no colchão, roída de desgosto, rangendo os dentes de desejo.
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