sexta-feira, março 19, 2010


DONA FLOR


E SEUS DOIS


MARIDOS


EPISÓDIO Nº 72





Thales Porto vinha em apoio da esposa:

- É isso mesmo, Lita tem razão. Para viver feliz não é preciso ter filhos. Veja a gente… Nunca tivemos menino…

Realmente viviam felizes, dedicados um ao outro. Porto com seus quadros domingueiros, dona Lita com as flores do seu jardim e com seu gato curuzu, velho e gordo, rosnando em mimos e dengos de filho único.

Tanta gente a cercá-la com o mesmo propósito confortador, nesses pareceres dona Flor cultivava seu medo e – por que não dizê-lo? – seu egoísmo.

No leito de ferro, entre a ácida voz de dona Rozilda e a doce música da serenata dá-se conta de que, em verdade, não existira somente o medo da operação. Se o desejo de um filho fosse nela tão forte como em Vadinho, certamente teria encontrado coragem para enfrentar médico e hospital. Ela, porém, dona Flor, não vivia na ânsia de um filho, de criança a encher a casa de bulício e riso. Vivia a pensar em Vadinho, isso sim, era a sua criança, a ele queria em casa, seu marido e seu filho, seu “menino grande”.

Na porta da rua, assevera dona Norma sentenciosa e amiga:

- Ela precisa esquecer, é tudo que ela precisa. É ainda tão moça, pode refazer sua vida…

- Casou com esse miserável porque quis… - a voz de Dona Rozilda.

- Se Vadinho não prestava, mais um motivo para não falar nele, para que viver bulindo no caixão do finado? A gente precisa é distrair a pobre, não deixar tempo para recordação, tem a escola mas não chega, ela precisa sair, se divertir, precisa esquecer…

Sobre os resmungos de dona Rozilda, a bondade de dona Norma:

- Se ela tivesse um filho, pelo menos…

A frase chega aos ouvidos de dona Flor, “se ela tivesse um filho, pelo menos…”. Sim, seria bem mais fácil…Não estaria só, tão vazia, tão sem razão de viver. Na rua, nas vizinhanças, na missa e na bênção, no mercado e na feira, sob a batuta de dona Rozilda, entre amigas e conhecidas, elevava-se o coro de maldições à memória de Vadinho, um nem-sei-que-diga de tão ruim. Dona Flor tranca os ouvidos para não ouvir senão a antiga serenata. No leito de ferro, sozinha com a ausência para sempre de seu marido. Sem um filho para a consolar.

Em meio a tudo quanto sucedera naqueles sete anos, nada tanto a assustara como ser filho de Vadinho o menino parido por Dionísia, mulata estabelecida nas proximidades do Terreiro. Sempre temera a notícia de um filho dele, nascido de outra, capaz de leva-lo embora. Quando chegava a seu conhecimento um caso de Vadinho, xodó com visos de ligação duradoura, aventura mais além das noites dormidas nos castelos, seu coração se apertava no temor de uma gravidez, de uma criança a nascer, os braços estendidos para Vadinho.

Das mulheres não tinha medo, apenas ciúme: “tudo xixica para passar o tempo”, que ele lhe dizia não para se desculpar mas para dona Flor compreender e não temer. Mas, se surgisse um menino? Contra um filho seria impossível lutar, impossível qualquer esperança. Ficava como louca, inquieta e perdida, quando dona Dinorá – era quase sempre dona Dinorá – como conseguia ela ser tão informada? – lhe trazia, entre rodeios e lamentações, o nome da cuja e os detalhes, alguns até íntimos e salafrários. Tremia no pavor de uma criança, de um menino, desse filho que ela
não lhe dera por não poder e também, ah!, também, por não querer.

Site Meter