segunda-feira, maio 24, 2010

DONA FLOR
E SEUS DOIS
MARIDOS

EPISÓDIO Nº 127



Com o correr dos dias, não o tendo surpreendido na companhia de nenhuma aluna e vendo-o sempre ali em horas as mais diversas e até pela noite, a fitar as suas janelas, concluiu, ante tais horários absurdos, nada de comum existir entre a persistência do coió e as estudantes de forno e fogão.

Não lhe ditando os passos discípula da escola, então qual o alvo de seus olhares e suspiros?

Marilda, certamente; outra não podia ser a causa da aflita presença. Vivendo a moça mais tempo em casa da professora do que na sua própria, o fulano a imaginara irmã ou sobrinha de dona Flor: exibiam as duas a mesma doce cor de pele, morena sem termo de comparação, um tom de cor rosa-chá, de mate e de finura, resultante de ter-se misturado sangue indígena ao negro e ao branco para criar esse primor de mestiçagem

Marilda dava corda ao suspirante ou o desprezo lhe dava? Chegara a preciosa à idade de namoro; com mais dois anos concluiria o curso pedagógico, apta para o noivado e casamento. Já se dera conta, aliás, do interesse do indivíduo, mas atribuindo a responsabilidade a outra qualquer; à escalabreada Maria, às bonitas filhas do doutor Ives, à professorinha Balbina, quem sabe? Mas se nenhuma delas vivia junto ao poste, não se avistando dali suas janelas e, sim, as da sala de visitas de dona Flor, onde só Marilda se demorava a ouvir rádio e a ler romances da Colecção Menina e Moça, havia de ser por ela a vigília e a melancólica postura do Mané-teimoso.

Pela brecha da janela, brecharam o camarada: é lindo, suspirou Marilda, inconstante coração já disposto a sacrificar o namorico com Mecenas, colega do pedagógico, frangote de sua mesma idade. Concordava dona Flor: uma “galanteza de rapaz”, bem jovem ainda, não teria mais de vinte e três ou vinte e quatro anos, na medida exacta para a futura mestra. Era preciso tomar informações, saber se exercia profissão liberal e rendosa ou se possuía bom emprego em banco ou escritório. Talvez fosse rico, e assim o demonstrava, pois não tinha horário para exibir-se na
rua, escorando o poste à frente da casa de dona Flor.

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