quarta-feira, junho 09, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
AMORES


EPISÓDIO Nº 142


Só no começo da tarde o Príncipe veio colher os frutos da extensa sementeira da festa – intervenção de dona Gisa, declarações no escuro do cinema. Num esplendor de roupas, de paixão incontida e de impaciente esperança, jamais tão semelhante ao Senhor dos Passos em seu martírio. Naquela noite disse a Lu, xodó recente em cuja companhia tola e graciosa despendera os últimos níqueis da viúva anterior, dona Ambrosina Arruda, mastodonte histérico:

- Mimosa, hoje eu invado a fortaleza, entro na sala, não demoro a estar na cama com a viúva.

Ajeitou-se Lu no peito tísico do Senhor dos Passos:

- Ela é tão feia como a outra?... Ou é bonita?

Ciumenta, sem entender o rígido código, a ética do Príncipe, não se encontrava à altura de conviver com profissional tão competente e estrito em seus princípios:

- Feia ou bonita, já te disse, ó besta, é a mesma coisa. Tu não vê que é um negócio, uma operação financeira e nada mais? O que interessa não é o rabo da viúva, minha burra, é que ela tenha um dinheiro e alguns berloques…

Foi dona Êmina quem primeiro o viu ao poste. Correu a avisar espocando em riso:

- Já chegou…

Tanto ruído, tanta excitação e correria das mulheres perturbaram Mirandão em feliz madorna após o almoço farto, com frigideira e galinha-de-parida. Despertando dirigiu-se também ele às janelas, onde as vizinhas se sucediam num corre-corre. Enxergou, no outro lado da rua, ao pé do poste, no passeio do sobrado de seu Bernabó, em lânguida postura, o velhaco Eduardo de Tal, o Príncipe, a limpar as unhas com um palito de fósforo e a sorrir galante.

- O que é que o Senhor dos Passos está fazendo por aqui?

- Quem é o Senhor dos Passos? – dona Norma curiosa.

- Quero dizer o Príncipe, velho vigarista, gatuno e meio…

Ia acrescentar: “o rei das viúvas”, mas fitando as amigas e as comadres em silêncio pesado, compreendeu tudo. Como se nada houvesse percebido, no entanto, com aquela sua delicadeza de baiano, prosseguiu risonho:

- Esse tratante é um passador do conto do vigário, vive de enganar os bobos com essa história de bilhete premiado, de dinheiro para entregar a um hospital, esses golpes que saem sempre nas folhas…

- Esse sujeito nunca me enganou… Bastou eu ver a cara dele… - disse dona Norma.

- Deve estar querendo roubar alguém por aqui, pode ser o argentino ou outro qualquer – concluiu Mirandão.

- O argentino, com certeza, já vi os dois conversando… - dona Norma mentia calorosa, tão baiana ela também, com a maior finura de compreensão e sentimentos.

Deixando-os a remoer as desilusões da vida, dona Flor posta em silêncio, uma lágrima oculta, uma única, não valendo mais aquela humilhação e porcaria. Mirandão, como quem não quer nada, atravessou a rua em direcção ao vigarista. Pelas frestas das janelas fechadas com violência, as comadres viram-no a conversar com o calhorda. Em nenhum momento deixou o Príncipe de sorrir, mesmo quando perdido em explicações confusa. Mirandão fez-lhe um gesto enérgico apontando-lhe a ladeira a descer para a Cidade Baixa. Rápida cena de cinema mudo para as comadres nas brechas das janelas.

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